
A dura realidade: brasileiros recorrem a carcaça de frango e ossos de porco para enfrentar preços abusivos dos alimentos
Famílias trocam carne por sobras enquanto custo de vida dispara
A crise econômica no Brasil tem levado muitas famílias a mudarem radicalmente seus hábitos alimentares. Diante da alta dos alimentos, muitas pessoas estão sendo obrigadas a substituir carne e produtos essenciais por sobras que, até pouco tempo, eram consideradas descarte. Carcaças de frango e espinhas de porco passaram a ser itens disputados para garantir alguma proteína na mesa.
Ionara de Jesus, moradora da periferia de São Paulo e mãe de três filhos, sente na pele o impacto dessa realidade. “Driblar os preços” é como ela define a batalha diária para manter a família alimentada. Mas, com a inflação disparando, esses “dribles” estão cada vez mais difíceis. “Antes eu comprava feijão comum, agora vou no mais barato. O café virou artigo de luxo. Lá em casa a gente reveza: cada dia um toma café pra fazer durar mais”, conta.
Inflação dos alimentos explode e pesa no bolso dos brasileiros
Dados do IBGE mostram que, só em 2024, os preços dos alimentos subiram mais de 7,69%, bem acima da inflação geral. O governo federal vem tentando medidas paliativas, como isenção de impostos para alguns produtos, mas o impacto na mesa da população ainda é mínimo.
Enquanto isso, brasileiros precisam recorrer a soluções desesperadas. Com o quilo da carne bovina custando acima de R$ 30, muitas famílias abandonaram de vez o produto. “Eu comprava acém, agora mal consigo pagar por um quilo de suã”, lamenta Ionara. A suã, uma parte do porco cheia de ossos e gordura, se tornou a alternativa para muitas pessoas que ainda tentam incluir proteína na alimentação.
Quando ovos viram luxo e suco custa o mesmo que vinho
Não são apenas as carnes que pesam no bolso. O ovo, uma das principais alternativas à proteína animal, teve um aumento de mais de 40% no último ano. “Antes, quando não tinha carne, a gente fazia ovo. Agora não tem nem ovo”, diz Ionara.
Para a advogada e especialista em direito econômico Léa Vidigal, essa situação é um reflexo direto da desigualdade social no país. “A qualidade da alimentação é um reflexo brutal da desigualdade econômica. Quem tem dinheiro continua consumindo alimentos saudáveis, enquanto os mais pobres têm que recorrer a restos e ultraprocessados baratos”, explica.
Até mesmo sucos naturais estão fora do orçamento de muitas famílias. “O suco de uva agora custa o preço de um vinho”, comenta Marcella Dragone, moradora da Vila Madalena, bairro de classe média de São Paulo. “A solução é pegar um suco mais barato feito pelo próprio mercado.”
“Aproveitar para emagrecer”
A crise alimentar tem gerado situações absurdas. Luiz Benedito, motorista de aplicativo, brinca ao dizer que sua esposa “está aproveitando para emagrecer”. “Não dá para comprar carne bovina todo dia, então a gente come frango, porque tem mais proteína e é mais barato”, diz. Mas a verdade é que, para milhões de brasileiros, a fome não tem nada de engraçado.
Enquanto as classes mais altas encontram alternativas e mantêm uma alimentação variada, as famílias mais pobres são forçadas a viver de sobras. Dados do Dieese mostram que uma cesta básica em São Paulo custa mais da metade de um salário mínimo. Para suprir uma família de quatro pessoas, o valor ideal do mínimo deveria ser superior a R$ 7.000, mas a realidade é muito diferente.
A crise alimentar no Brasil não é apenas um problema econômico. É uma questão de dignidade. A população não pode continuar sobrevivendo de ossos e restos enquanto a desigualdade só aumenta. O que antes era exceção, agora virou regra para milhões de brasileiros. Até quando?