
Bolsonaro tenta se defender citando críticas às urnas feitas por Flávio Dino e Carlos Lupi
Em depoimento ao STF, ex-presidente nega tentativa de golpe e tenta se justificar apontando que até adversários já questionaram o sistema eleitoral
Durante seu interrogatório no Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira (10), Jair Bolsonaro buscou minimizar suas falas sobre supostas fraudes eleitorais, alegando que outros nomes da política também já criticaram as urnas eletrônicas. Ele citou Flávio Dino — hoje ministro do STF — e Carlos Lupi, ex-ministro do governo Lula, como exemplos de opositores que também colocaram em xeque a segurança do sistema eleitoral.
A menção a Flávio Dino se refere a uma declaração antiga, em que o então político maranhense afirmava ter sido vítima de fraude em uma eleição que perdeu. Já Lupi, segundo Bolsonaro, teria se queixado da “impossibilidade de recontagem de votos” no modelo eletrônico. O ex-presidente usa esses trechos para tentar validar suas próprias falas, apresentando-as como parte de um debate legítimo — e não como plano golpista.
Tentativa de se distanciar de golpe
O depoimento integra a investigação sobre a suposta tentativa de impedir a posse de Lula após a vitória em 2022, uma trama que teria contado com militares e membros do alto escalão do antigo governo. Bolsonaro, agora réu na Ação Penal 2668 ao lado de outros 30 nomes, é apontado pela Procuradoria-Geral da República como o articulador central da conspiração.
Para aplacar as acusações, o ex-presidente tentou demonstrar que sua preocupação com o sistema eleitoral estava amparada por propostas em discussão no Congresso — como a do voto impresso — e não por intenções antidemocráticas. Lembrou ainda que esse projeto de lei foi barrado pelo próprio STF, o que, segundo ele, reforçaria a narrativa de que atuou “dentro das quatro linhas”.
Depoimento com tom de palanque
Sem esconder sua estratégia, Bolsonaro transformou parte do depoimento em um espaço de propaganda. Disse que sua campanha de 2018 foi “atípica” e chegou a afirmar que nem ele acreditava que venceria, numa tentativa de mostrar surpresa com o resultado — e distanciar-se da ideia de que só contesta eleições que perde.
Na sequência, listou feitos de seu governo: redução da violência, acordos comerciais, programas sociais. “Falei palavrão, me irritei, mas joguei dentro das quatro linhas”, resumiu, com o objetivo de passar a imagem de um gestor que erra no tom, mas não nas intenções.
Críticas ao processo
Antes mesmo de ser ouvido, Bolsonaro questionou publicamente o sistema judicial: “Tenho que provar que sou inocente ou eles que têm que provar que sou culpado?”. A frase revela o tom combativo que marcou sua oitiva.
Ele ainda tentou apresentar cerca de doze vídeos com supostas provas de sua inocência, entre elas falas antigas de Flávio Dino criticando as urnas. Mas o ministro Alexandre de Moraes rejeitou o pedido, lembrando que a fase de interrogatório não é o momento adequado para introduzir novos elementos no processo.
Destaque do dia
O depoimento de Bolsonaro é visto como o mais importante desta etapa da ação penal. Antes dele, já haviam prestado depoimento nomes como Mauro Cid — ex-ajudante de ordens e delator que implicou diretamente o ex-presidente na tentativa de golpe — e os ex-ministros Augusto Heleno, Anderson Torres e o almirante Garnier Santos.
Cada um adotou uma linha de defesa diferente, oscilando entre o silêncio, a negação das acusações ou a tentativa de desacreditar testemunhas. No caso de Bolsonaro, a tática foi clara: misturar justificativas, comparações políticas e elogios ao próprio governo.
Observação final:
É curioso — e revelador — que agora Bolsonaro se agarre a críticas antigas feitas por Flávio Dino e Carlos Lupi ao sistema eleitoral, ambos integrantes de governos do PT, os mesmos que ele passou anos combatendo com acusações genéricas e sem provas. No fim, quem dizia lutar contra o “sistema” agora tenta se salvar recorrendo a ele.