
Brasil evita chamar facções de terroristas em acordo com Argentina e Paraguai
Itamaraty pressiona por mudanças em texto sobre segurança na tríplice fronteira para excluir vínculos entre terrorismo e crime organizado
Reescrita com estilo mais humano:
Durante as negociações de um acordo de cooperação entre Brasil, Argentina e Paraguai para reforçar a segurança na região da tríplice fronteira, o Itamaraty atuou diretamente para retirar qualquer menção que ligasse o terrorismo ao crime organizado — o que incluiria grupos como o PCC e o Comando Vermelho.
Documentos obtidos pela Folha de S.Paulo revelam que o Ministério das Relações Exteriores expressou, em ofício enviado ao Ministério da Justiça, preocupação com trechos da proposta inicial que tratavam dessa conexão. O Itamaraty sugeriu que essas partes fossem revistas, e os trechos acabaram suprimidos na versão final do documento.
A Argentina foi quem propôs incluir referências à relação entre facções e terrorismo, com apoio da Polícia Federal brasileira — mais especificamente da Divisão de Enfrentamento ao Terrorismo. Apesar disso, os textos sugeridos acabaram sendo retirados após a intervenção do Itamaraty.
Consultados pela reportagem, nem a Polícia Federal nem a embaixada paraguaia quiseram comentar. Já o governo argentino informou que não falaria sobre o assunto. O Ministério das Relações Exteriores brasileiro, por sua vez, justificou sua posição alegando que, embora o Brasil repudie o terrorismo, não é possível tratar automaticamente facções criminosas como grupos terroristas.
Segundo o Itamaraty, as facções têm motivações econômicas e não ideológicas, o que as distingue juridicamente dos grupos terroristas. Já o Ministério da Justiça afirmou que ajustes de redação são normais em negociações diplomáticas e que o acordo final representa o entendimento comum entre os três países sobre o combate ao crime organizado.
Esse ponto sensível também tem causado atrito entre Brasil e Estados Unidos. O governo americano vem pressionando o Brasil para que classifique organizações como o PCC como terroristas, algo que o Itamaraty vem resistindo a fazer. Em recente reunião entre os dois países, o governo brasileiro reiterou que seu sistema legal não enquadra facções criminosas como terroristas, já que elas não atuam com base em ideologias, e sim no lucro.
Enquanto isso, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que pretende classificar essas facções como terroristas. A proposta, de autoria do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), já recebeu urgência e pode ser votada em breve. O Ministério da Justiça também planeja apresentar uma proposta própria, o chamado “PL antimáfia”, que cria a figura da “organização criminosa qualificada” — aquelas que dominam territórios, controlam economias locais, influenciam eleições e praticam lavagem de dinheiro.
Os documentos aos quais a Folha teve acesso mostram que o debate sobre como rotular essas facções não é apenas uma questão interna brasileira, mas também interfere nas relações com Argentina e Paraguai. A tríplice fronteira entre os três países é uma das principais rotas do narcotráfico que abastece o PCC e o Comando Vermelho.
O texto do acordo, cuja negociação foi conduzida pelo Ministério da Justiça, passou por diversas versões. Um rascunho de janeiro afirmava que o aumento do crime organizado transnacional e sua suposta convergência com grupos e financiadores do terrorismo exigia uma atualização do pacto. A Polícia Federal apoiava a inclusão desse trecho, de autoria argentina.
No entanto, o Itamaraty pediu a exclusão desses trechos. O documento final manteve o foco no combate ao crime organizado, mas sem qualquer referência ao terrorismo. O acordo foi assinado no fim de maio pelo ministro Ricardo Lewandowski, junto com representantes de Argentina e Paraguai.
Desde 1996, o chamado Comando Tripartite atua na região das cidades de Foz do Iguaçu (Brasil), Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina), com o objetivo de promover integração entre forças de segurança, formação de profissionais e troca de informações para combater o crime organizado. Agora, o novo acordo renova esse compromisso, mas deixa claro: terrorismo e facções, ao menos para o Brasil, continuam sendo tratados como coisas distintas.