COP-30 ameaçada: países temem caos logístico e cogitam desistir do evento em Belém

COP-30 ameaçada: países temem caos logístico e cogitam desistir do evento em Belém

Falta de hospedagem, preços abusivos e estrutura precária acendem alerta em delegações internacionais; governo corre contra o tempo para evitar vexame global

Telegramas confidenciais trocados entre o Itamaraty e embaixadas brasileiras mundo afora escancararam um problema que já circulava nos bastidores: a preocupação crescente de países que planejam participar da COP-30, em Belém, com a precariedade da infraestrutura para receber delegações e representantes da sociedade civil.

As mensagens, obtidas pelo Estadão via Lei de Acesso à Informação, revelam que China, Alemanha, Reino Unido, Dinamarca e Noruega estão extremamente apreensivos com a falta de hospedagem, os custos altíssimos das diárias e os gargalos logísticos da capital paraense. A situação é tão crítica que alguns países cogitam reduzir o tamanho de suas delegações — e, em casos extremos, até desistir de participar.

A embaixada da Noruega, por exemplo, declarou abertamente que está considerando cortar parte dos seus representantes. “Os custos para participar estão muito altos. Há um risco real de que muitos países e organizações da sociedade civil simplesmente não consigam bancar sua presença”, afirmou o embaixador Odd Magne Ruud.

Preços nas alturas e hospedagem escassa

Belém, que vai sediar a conferência entre os dias 10 e 21 de novembro, enfrenta uma explosão nos preços de hospedagem. Segundo levantamento da organização, a cidade tem capacidade para cerca de 36 mil leitos, sendo apenas 14 mil na rede hoteleira tradicional. O restante se espalha entre hospedagens alternativas, como aluguel por temporada e até navios de cruzeiro — que, por sinal, ainda nem foram contratados.

O problema é que o governo estima receber cerca de 50 mil pessoas durante as duas semanas do evento. A conta simplesmente não fecha.

A embaixada do Brasil na China também relatou que representantes do Ministério de Ecologia e Meio Ambiente do país asiático reclamaram das dificuldades para encontrar hotéis, além dos preços “altíssimos e fora da realidade”.

Promessas atrasadas e soluções improvisadas

Para tentar evitar um fiasco internacional, o governo do Pará e o Palácio do Planalto prometeram ampliar a oferta de hospedagem, com reformas de hotéis, construção de quatro novas unidades, além da adaptação de escolas como hostels e o uso de navios como dormitórios flutuantes.

Uma plataforma para organizar as reservas de leitos foi prometida desde março, mas, até agora, não saiu do papel. Somente no dia 20 de maio, a pouco menos de seis meses da COP, foi anunciada a contratação da empresa Bnetwork, responsável por organizar hospedagens nas duas últimas edições da conferência. Enquanto isso, participantes seguem no escuro, sem saber onde irão ficar.

Empresários também pensam em pular fora

Não são só os governos que estão preocupados. O empresariado britânico também acendeu o alerta. Nick Henry, CEO da organização Climate Action, que mobiliza o setor privado para ações sustentáveis, relatou que muitos executivos estão repensando a participação. “Falta informação sobre hospedagens alternativas, como cruzeiros, escolas e até vilas militares”, reclamou.

Apesar disso, a embaixada britânica disse confiar na capacidade do Brasil de realizar uma conferência de impacto. Otimismo, neste momento, parece ser mais desejo do que realidade.

COP histórica corre risco de vexame

A realização da COP-30 em Belém carrega um simbolismo enorme: além de ser a primeira vez que o Brasil sedia o evento, a conferência ocorre em um ano crucial, logo após o planeta registrar, pela primeira vez, uma média de aquecimento acima de 1,5ºC — limite crítico definido no Acordo de Paris.

Também será nesta COP que os países farão a primeira revisão oficial das metas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Ou seja, um evento decisivo para o futuro do planeta corre risco de ser marcado mais pelo caos logístico do que pelos avanços climáticos.

O secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, alerta: “Ter uma ótima infraestrutura não garante que a COP será um sucesso. Mas, se não tiver, o fracasso é certo”.

Ausência dos EUA agrava cenário

Para piorar, há a expectativa de que a Casa Branca nem envie representantes oficiais. A ausência dos Estados Unidos, que já aconteceu durante o governo Trump (2017-2021), enfraquece o evento, embora alguns estados americanos, como a Califórnia, ainda devam participar por conta própria.

O presidente da COP-30, embaixador André Corrêa do Lago, admitiu que a saída dos EUA do Acordo de Paris é um “baque considerável”, mas reforçou que o país vai seguir representado por universidades, empresas e governos estaduais.

Enquanto isso, o tempo corre. E o risco de a COP-30 ficar mais conhecida pelos perrengues em Belém do que pelas soluções para o clima global nunca foi tão real.

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