
Dividida entre a fidelidade e o futuro: a encruzilhada da direita sem Bolsonaro
Com o ex-presidente fora do jogo até 2030 e sob risco de prisão, a direita brasileira se vê obrigada a escolher entre manter a devoção a Bolsonaro, apostar em novos nomes ou enfrentar uma disputa interna por protagonismo.
O cerco apertou de vez para Jair Bolsonaro (PL). Na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) divulgou o acórdão que transforma o ex-presidente e sete de seus ex-assessores em réus por tentativa de golpe de Estado. Fora da disputa eleitoral até 2030 e com a ameaça concreta de prisão, Bolsonaro segue como símbolo da oposição, mas força a direita a repensar seus caminhos — com ou sem ele no tabuleiro.
Enquanto a sombra do ex-presidente ainda paira com força sobre o campo conservador, seus aliados e adversários internos começam a se movimentar, entre discursos de lealdade, articulações discretas e ambições escancaradas. O Correio conversou com parlamentares e articuladores para entender as divisões que estão se aprofundando nos bastidores da direita.
Fiel até o fim
No núcleo mais próximo de Bolsonaro, a palavra de ordem ainda é uma só: fidelidade. Para o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), qualquer tentativa de impedir a candidatura do ex-presidente em 2026 é um atentado à democracia. “Meu candidato é Jair Messias Bolsonaro. Se o povo não puder escolher, a eleição perde sua legitimidade”, declarou.
O ex-secretário de Cultura e atual deputado federal Mário Frias (PL-RJ) foi direto: “Não tenho outra opção. Bolsonaro é a própria definição da direita no Brasil”. Já a senadora Damares Alves (Republicanos) não deixou margem para dúvidas: “Não cogitamos nenhum outro nome”.
Luciano Zucco (PL-RS) reforça a narrativa de perseguição política, alegando que Bolsonaro só foi tornado inelegível por representar um adversário eleitoral imbatível. Gilson Machado, ex-ministro do Turismo, acrescenta: “Ele vai escolher, junto com sua base, quem será o nome. Mas a liderança continua sendo dele”.
Lealdade com reservas
Embora mantenham publicamente um discurso de apoio, alguns nomes da direita estão claramente jogando em mais de um tabuleiro. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), evita se apresentar como pré-candidato, mas vem ganhando espaço nacional ao lado de Bolsonaro em manifestações e reuniões com o mercado e o centrão.
O mineiro Romeu Zema (Novo) também articula discretamente, até mesmo com integrantes do PL, reconhecendo nos bastidores que o partido precisará de um plano B.
De olho no protagonismo
Outros atores já assumem publicamente a ambição de ocupar o espaço deixado por Bolsonaro. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), não esconde mais que é pré-candidato e, segundo pesquisa da Futura Inteligência, lidera com 37,8% das intenções de voto, superando até o presidente Lula, que aparece com 37,3%.
No Paraná, o governador Ratinho Júnior (PSD) ainda evita oficializar sua candidatura, mas tem enviado sinais claros. “É dever da nossa geração pensar um novo Brasil. A política precisa se renovar”, disse ao Correio.
Já o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) reconhece que há legitimidade entre os possíveis nomes, mas provoca: “A questão é saber quem tem força para enfrentar Lula e Bolsonaro. A maioria ainda não tem”.
Prisão pode rachar a base
Se Bolsonaro acabar preso, a expectativa é de forte reação popular, especialmente nas redes sociais. “Bolsonaro plantou uma consciência de liberdade que ninguém consegue apagar”, afirma Gilson Machado.
Mas para o cientista político Felipe Rodrigues, da UnB, a eventual ausência de Bolsonaro pode desencadear uma fragmentação. “O bolsonarismo já é um fenômeno que vai além do homem Jair. Mas seus herdeiros políticos não têm o mesmo apelo popular”, observa. Michelle Bolsonaro, por exemplo, tem força no eleitorado evangélico, mas sua falta de experiência é vista como um entrave.
O deputado estadual Marcio Pacheco (PP-PR) vai além: “A direita não nasceu com Bolsonaro, mas se identificou com ele. Agora, temos valores consolidados. Não se trata de uma pessoa, mas de uma causa”.
E o PT?
No lado governista, a estratégia é de cautela. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), avalia que a prisão de Bolsonaro pode acabar fortalecendo outros nomes da direita, e não necessariamente beneficiar o PT. “Ainda não definimos uma estratégia para um cenário sem Bolsonaro na disputa”, admitiu.
A direita está diante de uma encruzilhada: insistir em um projeto personalista centrado em Bolsonaro, mesmo fora do páreo, ou abrir espaço para uma renovação interna que pode mudar o eixo do conservadorismo brasileiro. Uma coisa é certa: com ou sem ele nas urnas, Bolsonaro continuará sendo o principal ponto de gravidade política da direita. Pelo menos por enquanto.