Em 9 meses, Lula pediu mais urgência em projetos que antecessores em um ano
Em nove meses de seu mandato, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), solicitou mais vezes o “regime de urgência constitucional” para projetos de lei encaminhados ao Congresso Nacional do que seus predecessores o fizeram em um ano. Não se inclui nessa comparação o ex-presidente Michel Temer (MDB), que assumiu o governo no contexto do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Conforme informações compiladas pela CNN a partir do Portal da Legislação, desde janeiro, Lula solicitou a urgência para oito projetos de lei. Geralmente, esse recurso não é utilizado com frequência.
No entanto, no final do primeiro semestre, o governo firmou um acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para encaminhar mais projetos de lei em regime de urgência constitucional, e reduzir a emissão de medidas provisórias (MPs), as quais serão editadas apenas em casos excepcionais.
Arthur Lira, que tem um estilo de liderança centralizador, é conhecido por negociar acordos. Como as MPs têm o poder de lei e entram em vigor assim que são publicadas no Diário Oficial da União (DOU), esses atos foram vistos como uma ação de “sobreposição” do governo em relação aos parlamentares, especialmente em um contexto em que Lula buscava construir uma base de apoio no Congresso.
Comparando os números:
- Bolsonaro: 5 vezes Em 2019, por exemplo, Jair Bolsonaro (PL) recorreu ao regime de urgência constitucional em cinco ocasiões. Um desses projetos tratava da autorização para o ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil. Devido à polêmica, na época, o governo retirou o pedido de urgência.
- Dilma: 3 e 4 vezes Dilma utilizou esse mecanismo três e quatro vezes no primeiro ano de seus dois mandatos. Um dos projetos abordava a atuação de organizações terroristas, sendo aprovado pelo Congresso e sancionado pela então presidente.
- Lula: 0 e 4 vezes Nos primeiros nove meses deste mandato, Lula superou seu próprio recorde e ultrapassou os números dos primeiros doze meses de seus dois mandatos anteriores em relação ao pedido de urgências constitucionais.
Quando foi eleito para seu primeiro mandato em 2003, Lula não utilizou esse mecanismo nos primeiros doze meses. No primeiro ano de seu segundo mandato, pediu urgência para quatro projetos, incluindo o que estabeleceu um regime de previdência complementar para os servidores públicos federais efetivos, o qual foi aprovado pelo Congresso.
A urgência constitucional é empregada para acelerar a tramitação e votação de assuntos no Parlamento. Na prática, esse regime dispensa prazos e formalidades regulamentares, devendo ser votado em até 45 dias. Se esse prazo não for cumprido, o texto passa a bloquear a pauta da Câmara ou do Senado, dependendo da Casa onde estiver em tramitação. Ou seja, nenhum outro projeto de lei pode ser votado até que a proposta em urgência constitucional seja analisada pelo plenário.
A falta de uma base consolidada no Congresso Nacional levou o Palácio do Planalto a enfrentar dificuldades para aprovar medidas de interesse do governo no primeiro semestre do ano. Isso resultou em algumas medidas provisórias perdendo a validade. Para se tornarem lei em definitivo, as MPs precisam ser aprovadas pelo Congresso em até 120 dias. Em alguns casos, o governo chegou a cancelar MPs e reenviar o conteúdo em formato de projetos de lei. Isso ocorreu, por exemplo, com o texto que institui o “Pacto Nacional pela Retomada de Obras na Educação”. Outros exemplos incluem o programa Desenrola para a renegociação de dívidas e a proposta sobre regras para apostas esportivas online.
De acordo com o cientista político e advogado Nauê Bernardo Azevedo, a frequência com que Lula recorre ao mecanismo indica a ausência de uma base política consolidada no Congresso e sinaliza que o Parlamento deseja ter um papel mais ativo nas negociações. Segundo o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), a alta demanda por regimes de urgência é um sinal positivo e reflete um esforço para evitar o uso excessivo de medidas provisórias em assuntos que podem ser discutidos por meio de projetos de lei. Dirceu acredita que isso contribui para o diálogo e para a construção conjunta do país.