
EUA oferecem recompensa milionária por informações sobre Hezbollah no Brasil sem consultar Itamaraty
Publicação da embaixada americana causa desconforto entre militares e levanta suspeitas de desrespeito à soberania nacional
Sem qualquer aviso prévio ao Itamaraty, a embaixada dos Estados Unidos em Brasília publicou nesta segunda-feira (19) uma oferta de recompensa de até 10 milhões de dólares (cerca de R$ 50 milhões) para quem fornecer informações sobre as operações financeiras do grupo Hezbollah na região da Tríplice Fronteira — área que envolve Brasil, Argentina e Paraguai.
O comunicado, feito em português e compartilhado também pelas embaixadas dos EUA na Argentina e no Paraguai, pede que possíveis informantes entrem em contato com o Departamento de Estado americano via Signal, Telegram, WhatsApp ou disque-denúncia. A mensagem afirma que, além do valor da recompensa, quem colaborar poderá ser realocado para outro país, reforçando o caráter sigiloso da operação.
A medida foi anunciada no mesmo dia em que o almirante Alvin Holsey, chefe do Comando Sul das Forças Armadas dos EUA (SouthCom), chegou ao Brasil para uma visita oficial de três dias, na qual deve se encontrar com o ministro da Defesa, José Múcio, e os comandantes das três Forças Armadas. O timing da divulgação foi mal recebido por oficiais brasileiros, que consideraram a iniciativa uma provocação diplomática.
Generais ouvidos sob anonimato criticaram duramente o gesto americano, apontando que ele pode enfraquecer a confiança entre os dois países e inviabilizar colaborações futuras no combate ao crime transnacional. Para os militares, Washington escolheu o palco da internet em vez do caminho da diplomacia séria e respeitosa.
Além disso, há receios sobre a possibilidade de os EUA estarem tentando conduzir ações de inteligência e segurança em território brasileiro sem respeitar a soberania nacional — algo que já ocorreu em outros países. Recentemente, por exemplo, forças americanas retiraram opositores de Nicolás Maduro da embaixada argentina na Venezuela, sem que o governo brasileiro, responsável pela proteção do local, fosse previamente informado.
A embaixada dos EUA ainda não respondeu aos questionamentos feitos pela imprensa, que incluiu perguntas sobre se o governo brasileiro foi informado da iniciativa e se eventuais ações com base nas denúncias respeitarão a autoridade judicial brasileira.
A publicação afirma que o Hezbollah tem operado na América do Sul por meio de diversas atividades ilegais, como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, comércio ilícito de diamantes e falsificação de moeda. Segundo o governo americano, o grupo também se infiltra em setores como construção civil e mercado imobiliário.
Relações perigosas
A conexão entre Hezbollah e o crime organizado no Brasil não é novidade. Em 2023, o traficante turco Eray Uç foi preso em Santos com documentos falsos. Ele era procurado por autoridades de vários países e tinha ligação direta com o Hezbollah. De acordo com investigações, parte do dinheiro arrecadado com o tráfico era enviado ao grupo libanês como forma de pagamento por proteção no Oriente Médio. No Brasil, Eray atuava com o PCC e montava um laboratório para fabricar o haxixe conhecido como “Dry Marroquino”.
O caso reacende o debate sobre os limites da atuação estrangeira em território nacional e o equilíbrio delicado entre cooperação internacional e respeito à soberania brasileira. Até o momento, o Itamaraty segue em silêncio.