Falas de Lula estão realmente fazendo dólar subir?
O cenário econômico no Brasil, assim como no mundo, é marcado por uma incerteza significativa, o que levou a flutuações notáveis nos mercados brasileiros recentemente.
Indicadores de mercado recentes refletem um pessimismo crescente:
- O dólar se valorizou mais de 16% em relação ao real desde o início do ano. Na terça-feira (1/7), a moeda estava cotada a R$ 5,66, o maior patamar do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
- Em junho, o mercado de ações brasileiro caiu mais de 8% no acumulado do ano, embora tenha apresentado alguma recuperação desde então.
- O título prefixado do Tesouro Nacional para 2031 estava rendendo 10,70% no começo do ano; hoje, oferece 12,50%. Rendimentos mais altos indicam expectativas mais pessimistas do mercado sobre a economia.
Na terça-feira (2/7), o presidente Lula sugeriu que o real estava sob um “ataque especulativo” e mencionou que o governo estava explorando possíveis respostas.
Os comentários de Lula foram interpretados por alguns participantes do mercado como uma indicação de que medidas podem ser tomadas para controlar a taxa de câmbio, embora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), tenha negado que tais planos estejam sendo cogitados.
Razões por trás do declínio do Real
Três questões principais preocupam os investidores, que em última análise determinam os preços e as taxas de juros enquanto negociam nos mercados: as declarações de Lula sobre o Banco Central, as incertezas econômicas globais (particularmente nos Estados Unidos) e os desafios fiscais do Brasil.
Economistas, como o economista-chefe da XP, Caio Megale, observam que os dados disponíveis dificultam a previsão de acontecimentos futuros, deixando os mercados “hipersensíveis às notícias”.
Os cenários variam muito: as tensões podem diminuir, aproximando o real de R$ 5,10, ou piorar, levando a uma desvalorização ainda maior.
O economista André Perfeito acredita que há um ataque especulativo em andamento ao real. Ele argumenta que, apesar das melhorias no Brasil, incluindo empresas públicas lucrativas e estabilidade de preços, a independência do Banco Central é evidente em suas decisões, como a interrupção de cortes de juros contra a vontade do governo.
1. Lula e o Banco Central
Lula criticou duramente o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto:
- Em 18 de junho, Lula declarou: “Só temos uma coisa fora da linha no Brasil no momento: o comportamento do Banco Central. É fora da linha. Um presidente do Banco Central que não demonstra autonomia e tem inclinações políticas, na minha opinião, trabalha mais para prejudicar o país do que para ajudá-lo.”
- Em 28 de junho, ele disse: “A taxa de juros de 10,50% é irreal para uma inflação de 4%. Isso vai melhorar quando eu puder nomear o presidente do Banco Central.”
- Na segunda-feira (1/7), Lula reiterou: “Não dá para ter um Banco Central que não esteja alinhado com os anseios da nação. Não precisamos de juros altos agora; a taxa Selic de 10,5% é um exagero.”
Desde os primeiros comentários de Lula, em 18 de junho, o dólar subiu mais de 4%, de R$ 5,44 para mais de R$ 5,64.
A questão fundamental é a determinação da taxa básica de juros do Brasil — a Selic.
A taxa Selic, atualmente em 10,5% ao ano, influencia os custos de empréstimos para pessoas físicas e jurídicas, afetando o consumo e o investimento.
A taxa tem um impacto significativo na economia, influenciando todos os preços e expectativas de inflação.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central define a taxa Selic. Lula defende uma taxa menor para estimular o crescimento econômico e potencialmente aumentar o emprego e a renda.
Embora o Copom tenha reduzido a taxa quase mensalmente, em junho ela se manteve estável em 10,5%, interrompendo um declínio de um ano.
O comitê acredita que a taxa precisa permanecer nesse nível para conter a inflação, mesmo que isso signifique menores rendas reais e maior desigualdade.
A ata da reunião de junho indicou uma decisão unânime de suspender os cortes nas taxas, citando projeções de inflação global e doméstica.
Duas questões políticas ressaltam essa disputa pela fixação de taxas:
- Autonomia do Banco Central : O presidente não pode demitir o presidente do Banco Central. Campos Neto, nomeado pelo antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, serve até o fim do ano. A lei de autonomia do Banco Central, aprovada em 2021, garante mandatos de quatro anos para seu presidente, não coincidindo com mandatos presidenciais para evitar interferência política nas decisões sobre taxas de juros. O PT historicamente se opõe a essa autonomia.
- Alegações políticas : Lula acusa Campos Neto de parcialidade política. As reuniões públicas de Campos Neto com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), um potencial líder da oposição para 2026, alimentaram essas alegações. O PT entrou com uma ação judicial contra Campos Neto por suposta atividade política.
Impacto das declarações de Lula no mercado
Caio Megale, da XP, ressalta as preocupações do mercado sobre a ambiguidade das declarações recentes de Lula, questionando se elas têm como alvo pessoal o presidente do Banco Central ou a direção política da instituição.
Espera-se que Campos Neto mantenha influência dentro do Copom até o fim de seu mandato, protegido por lei. No entanto, o futuro indicado de Lula como presidente do Banco Central tem provocado especulações sobre potenciais mudanças na política econômica.
O economista da Universidade de Brasília (UnB) Victor Gomes sugere que a orientação política de Campos Neto o torna mais propenso a decisões ideologicamente motivadas. Gomes cita o corte da taxa de 2020 para 2% como um movimento politicamente motivado em vez de técnico.
O mercado prefere Gabriel Galípolo, o atual diretor de política monetária, como sucessor de Campos Neto. Galípolo é visto como alguém que mantém um grau de autonomia do Banco Central. No entanto, Lula deu a entender que escolheria uma figura mais experiente, o que levou à especulação sobre nomes como Guido Mantega, Aloísio Mercadante ou André Lara Resende, que podem se alinhar mais estreitamente
2. Questões fiscais do Brasil
Mercados questionam se juros devem continuar caindo no Brasil, dada a resiliência da economia, com projeções de crescimento do PIB revisadas para cerca de 2,5% e desemprego caindo para 7,1% em maio, o menor para o mês em uma década
O ano começou com expectativas de queda da inflação nos EUA e na Europa, potencialmente encerrando o ciclo mais longo de inflação e aumento de juros em quatro décadas. No entanto, a inflação continua alta, e o Federal Reserve sinalizou apenas
Isso mudou os fluxos de investimento para ativos dos EUA, que oferecem retornos mais altos, desvalorizando assim outras moedas, incluindo o real.
Victor Gomes, da UnB, observa que, antes da pandemia, o dólar era negociado em torno de R$ 3. Desde o início dos aumentos de juros nos EUA, ele tem oscilado em torno ou acima de R$ 5, com o Brasil vivenciando uma das maiores quedas cambiais da história.
Apesar dos problemas cambiais, a alta dos preços das commodities beneficia as empresas brasileiras de minérios e petróleo, que influenciam fortemente o mercado de ações