
Fraude bilionária no INSS escancara crise interna no governo Lula
Ministro da CGU diz que Rui Costa já sabia do esquema; investigação atinge 4 milhões de beneficiários e provoca desgaste político no Planalto
O escândalo envolvendo fraudes no INSS se transformou em uma bomba de efeito prolongado dentro do governo federal. Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinícius Carvalho, afirmou que o ministro da Casa Civil, Rui Costa, tinha conhecimento prévio das irregularidades muito antes da operação que expôs o rombo bilionário nas contas da Previdência. A declaração veio em resposta direta às críticas do Planalto, que tentou transferir para a CGU a responsabilidade pela crise.
“Não é verdade que ninguém sabia. O ministro Rui Costa tinha ciência do que estava acontecendo”, disse Carvalho, rebatendo a versão oficial de que o então titular da Previdência, Carlos Lupi, teria sido pego de surpresa. Segundo ele, reuniões técnicas foram realizadas com a equipe da pasta, alertando sobre irregularidades em convênios com entidades que aplicavam cobranças ilegais sobre aposentados e pensionistas. Esses contratos, inclusive, teriam sido assinados ainda durante o governo Bolsonaro, entre 2021 e 2022.
As investigações apontaram para um esquema com potencial de lesar mais de 4 milhões de beneficiários e causar um prejuízo estimado em R$ 3,2 bilhões entre 2023 e o primeiro semestre de 2024. As entidades envolvidas cadastravam aposentados de forma fraudulenta e aplicavam descontos diretamente na folha de pagamento, muitas vezes com assinaturas falsas. Um dos principais investigados é Antonio Carlos Camilo Antunes, apelidado de “Careca do INSS”, acusado de ser o operador central do esquema e sócio de 21 empresas.
O caso levou à queda do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e à saída de Carlos Lupi do Ministério da Previdência. Para o lugar de Lupi, Lula nomeou Wolney Queiroz, ex-deputado e então secretário-executivo da pasta — mas a escolha desagradou a oposição, que lembra que ele participou de reuniões sobre o problema ainda em 2023 sem tomar providências.
Carvalho negou qualquer tentativa de proteção a entidades politicamente ligadas ao governo, como Conafer e Contag, que ficaram de fora da primeira lista de alvos. “Se surgirem indícios contra qualquer uma delas, as investigações serão abertas imediatamente”, garantiu o ministro, rejeitando qualquer acusação de seletividade.
Ele também afirmou que a CGU estuda reformular completamente o modelo de descontos em folha do INSS, que considera frágil e propenso a fraudes. “Talvez seja o caso de extinguir esse modelo atual ou criar mecanismos tecnológicos que garantam transparência e segurança. Hoje, nem a documentação das entidades chegava ao INSS”, apontou.
Apesar do desgaste político crescente, o governo se comprometeu a ressarcir os aposentados prejudicados e acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para processar os responsáveis. Ainda assim, a base do governo no Congresso está sob forte pressão, com parlamentares do PL e do Novo pedindo a instalação de uma CPI para apurar o caso.
O ministro da CGU também rebateu críticas de que as investigações seriam politizadas. Ele disse que a atuação da controladoria se baseia em evidências concretas, como no caso do cartão de vacina de Jair Bolsonaro, que começou a partir de um pedido via Lei de Acesso à Informação. Carvalho reconheceu, no entanto, que ainda existe resistência dentro da máquina pública para ampliar a transparência — algo que o governo prometeu como pilar da gestão. Um exemplo citado por ele foi o bloqueio de 16 milhões de documentos, que acabou sendo revertido. “A CGU não tem compromisso com o erro”, disse.
No epicentro de uma crise que expôs vulnerabilidades do sistema previdenciário e da articulação interna do governo, o escândalo no INSS ainda promete render desdobramentos — tanto no campo judicial quanto político.