Itaipu usa R$ 1 bi da conta de luz para fazer política para o PT
A ampliação da área de influência da hidrelétrica de Itaipu no lado brasileiro causou controvérsia no setor de energia. A região beneficiada por projetos socioambientais e de infraestrutura passou de 55 para 434 municípios, totalizando um gasto de quase R$ 1 bilhão (US$ 193,9 milhões). Especialistas levantam questionamentos sobre o uso político e geopolítico de Itaipu com recursos provenientes das contas de luz.
Essa expansão e o substancial orçamento sustentaram o lançamento do programa “Itaipu Mais que Energia”, destinado a atender todos os 399 municípios do Paraná e outros 35 do Mato Grosso do Sul. Inicialmente, apenas áreas próximas a bacias hidrográficas eram contempladas, mas agora até cidades litorâneas estão incluídas.
O novo diretor-geral de Itaipu, Enio Verri, anunciou também um investimento de R$ 600 milhões ao longo de três anos para a conclusão da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), totalizando R$ 1,2 bilhão em investimentos na região este ano.
Pessoas ligadas ao PT afirmam que Verri foi escolhido para reformular a abordagem da usina, colocando Itaipu em destaque na cena política, ao contrário da gestão de Jorge Samek, que protegeu a instituição nesse âmbito de 2003 a 2017.
O atual conselho de administração conta com cinco ministros, o que é visto como uma forma de alinhar a gestão com as diretrizes do governo federal. Além disso, o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, tem uma cadeira reservada. Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda), Esther Dweck (Gestão) e Alexandre Silveira (Minas e Energia) também fazem parte do conselho.
Verri, ex-deputado federal pelo PT, conta com o apoio de Gleisi Hoffmann, presidente do partido, para ocupar o cargo, e há rumores nos círculos políticos do Paraná de que ele pode se candidatar ao Senado ou mesmo entrar em uma chapa para o governo do estado na eleição de 2026.
Atualmente, o PT enfrenta desafios nos dois estados beneficiados pelo novo programa. Nas eleições do segundo turno, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve 37,60% dos votos contra 62,40% de Jair Bolsonaro (PL). No Mato Grosso do Sul, o desempenho de Lula foi ligeiramente melhor, com 40,51%. A alocação de recursos de uma gestão petista em Itaipu para toda aquela região cria uma aproximação, segundo políticos locais.
O evento de lançamento do “Itaipu Mais que Energia” em Foz do Iguaçu, ocorrido no final de agosto, reuniu representantes de quase todos os municípios. Aos que buscam os recursos de Itaipu, é explicado que se trata de uma forma de doação, com pouca burocracia. Um convênio com a Caixa ainda vai facilitar o acesso e a aplicação do investimento.
O que preocupa os especialistas do setor de energia é que o dinheiro de Itaipu é proveniente das contas de luz dos brasileiros.
Segundo o tratado, Brasil e Paraguai dividem a energia igualmente. Como os paraguaios não consomem toda a sua parte, vendem para o Brasil. Portanto, cerca de 85% do pagamento da tarifa vem dos bolsos dos brasileiros. As distribuidoras das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste são obrigadas a adquirir essa energia.
Essa obrigação foi estabelecida para garantir o pagamento da dívida bilionária contraída para a construção da hidrelétrica. No entanto, essa dívida foi quitada em março deste ano. De acordo com o tratado binacional, o valor correspondente a esse custo deveria simplesmente ter sido eliminado, aliviando a tarifa de energia – o que não foi feito integralmente.
Um estudo realizado na gestão anterior mostra que, com o fim da dívida, o custo de geração de energia de Itaipu deveria ter caído para algo entre US$ 9 e US$ 10 por kW (R$ 43,63 a R$ 48,50 por quilowatt). No entanto, a gestão de Bolsonaro estabeleceu para este ano o valor de US$ 12,67 (R$ 61,42), sem negociar com os paraguaios. A gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu e fechou com o parceiro em US$ 16,71 (R$ 81).
“Encontraram uma maneira de contornar a redução da dívida às custas do consumidor brasileiro, o que impede a tarifa de cair como deveria”, afirma Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Os gastos com os programas de responsabilidade socioambiental de Itaipu, conforme levantamento da consultoria PSR, aumentaram significativamente, passando de US$ 88,5 milhões (R$ 429 milhões) em 2013 para US$ 316,1 milhões (R$ 1,5 bilhão) no ano passado. Agora, estão em US$ 505 milhões (R$ 2,5 bilhões). Ou seja, a falta de queda proporcional na conta de luz em relação ao custo da ex-dívida libera aproximadamente US$ 250 milhões (R$ 1,2 bilhão) para cada país investir em projetos de seu interesse.
“É um absurdo e prejudicial para a sociedade como um todo que, após o fim da dívida, o consumidor brasileiro ainda seja obrigado a subsidiar obras. Qual é o sentido de um proprietário de um freezer em um bar no Rio de Janeiro pagar na sua conta de luz por uma estrada no Paraguai, Paraná ou Mato Grosso do Sul?”, questiona Rodrigo Ferreira, presidente da Abraceel (Associação dos Comercializadores de Energia), defensor do mercado livre de energia.
“Isso só está acontecendo porque não há concorrência no setor para todos. Se houvesse, o governo seria obrigado a oferecer a energia de Itaipu ao menor custo.