Justiça exige que São Paulo apague homenagens à ditadura militar

Justiça exige que São Paulo apague homenagens à ditadura militar

Prazo de 60 dias: gestão municipal terá que apresentar plano para trocar nomes de ruas, avenidas e espaços públicos ligados a figuras da repressão

A Justiça determinou que a Prefeitura de São Paulo tem 60 dias para elaborar um cronograma de remoção dos nomes de ruas, avenidas e espaços públicos que ainda fazem referência a personagens ligados à ditadura militar e às violações dos direitos humanos no Brasil. A decisão atinge, entre outros, a famosa Avenida Presidente Castelo Branco e o Crematório da Vila Alpina, que hoje leva o nome de Jayme Augusto Lopes — ex-diretor do serviço funerário na época da repressão.

A medida foi assinada pelo juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda Pública, atendendo a um pedido conjunto do Instituto Vladimir Herzog e da Defensoria Pública da União (DPU). A ordem obriga a Prefeitura a criar um plano concreto para realizar as mudanças, que estão previstas, inclusive, numa lei municipal desde 2013 — e que até agora não foi devidamente aplicada.

Memória não se apaga, mas homenagens podem (e devem) ser revistas

O caso reacende um debate antigo: a cidade que abriga marcos da resistência e da liberdade também carrega em seus endereços a lembrança de nomes diretamente associados à repressão, tortura, mortes e desaparecimentos forçados durante os anos de chumbo.

Entre os locais que deverão ter seus nomes alterados estão:

  • Crematório Dr. Jayme Augusto Lopes (Vila Alpina): Jayme comandava o serviço funerário de São Paulo no período em que corpos de vítimas da ditadura foram enterrados clandestinamente na vala de Perus.
  • Centro Desportivo Caveirinha (Zona Sul): referência ao general Milton Tavares de Souza, chefe do Centro de Informações do Exército, que liderou ações de repressão, como a violenta Operação Marajoara, contra a Guerrilha do Araguaia.
  • Avenida Presidente Castelo Branco: nome de um dos articuladores do golpe militar de 1964 e criador do Serviço Nacional de Informações (SNI), que organizou perseguições, prisões e torturas durante seu governo.
  • Ponte das Bandeiras (nome oficial: Ponte Senador Romeu Tuma): Tuma foi diretor do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), um dos principais aparelhos de repressão da ditadura.
  • Rua Alberi Vieira dos Santos (Zona Norte): ex-sargento com histórico de participação em massacres, detenções ilegais, tortura, desaparecimento forçado e ocultação de cadáveres.
  • Rua Doutor Mario Santa Lúcia (Zona Norte): médico legista que elaborava laudos necroscópicos falsos para encobrir mortes provocadas pela repressão.
  • Praça Augusto Rademaker Grunewald (Zona Sul): o vice-presidente do governo Médici, período considerado o mais violento da ditadura.
  • Rua Délio Jardim de Matos (Zona Sul): integrou o gabinete militar da Presidência durante o governo Castelo Branco.
  • Avenida General Enio Pimentel da Silveira (Zona Sul): militar ligado ao DOI-CODI, diretamente envolvido com tortura e assassinatos.
  • Rua Doutor Octávio Gonçalves Moreira Júnior (Zona Oeste): delegado acusado de participação em casos de tortura e desaparecimentos.
  • Rua Trinta e Um de Março (Zona Sul): nome que faz referência direta ao dia do golpe militar que instaurou a ditadura em 1964.

Lei existe desde 2013, mas nunca foi cumprida

A decisão judicial se baseia na própria legislação municipal — a Lei 15.717/2013 — que determina a substituição de nomes de espaços públicos que façam apologia a pessoas envolvidas em crimes contra a humanidade ou violações graves de direitos humanos.

O juiz lembrou que, apesar de iniciativas pontuais, como a mudança do nome do Elevado Costa e Silva para Elevado Presidente João Goulart, a maioria dos endereços mapeados no Programa Ruas de Memória, criado em 2016, permanece intacta, perpetuando homenagens a personagens da repressão.

Prefeitura promete recorrer

Em nota, a Procuradoria Geral do Município (PGM) afirmou que ainda não foi oficialmente notificada da sentença, mas, assim que isso ocorrer, pretende recorrer. Segundo o órgão, a mudança de nomes de ruas e espaços públicos depende de aprovação da Câmara Municipal e da criação de uma lei específica.

Enquanto isso, a cidade segue dividida entre quem defende a preservação de memórias que enaltecem a repressão e aqueles que lutam para que, ao menos nas placas das ruas, a democracia e os direitos humanos sejam os verdadeiros homenageados.

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