
Lula tenta reconstruir pontes na América Latina em meio à pressão de Trump e racha regional
Na cúpula da Celac, presidente busca reafirmar o Brasil como liderança diplomática, mas esbarra em impasses com Milei, tensões com Maduro e barreiras comerciais impostas pelos EUA.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem um desafio daqueles nesta quarta-feira (10), em Honduras: reaquecer a chama da integração latino-americana e retomar o protagonismo do Brasil no xadrez geopolítico da região. Ele participa da cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) tentando costurar alianças em um cenário conturbado, com disputas internas no bloco e a crescente pressão dos Estados Unidos sob o governo de Donald Trump.
Sem citar diretamente o nome de Trump, Lula pretende levantar reflexões sobre os rumos da América Latina e propor uma agenda conjunta de cooperação entre os países do continente — uma tentativa de frear a fragmentação política que tem se aprofundado nos últimos anos.
Na semana passada, o presidente já deu o tom ao afirmar que o Brasil “não bate continência para bandeira nenhuma” e que responderá à altura às tarifas impostas por Washington, que atingem em cheio setores estratégicos da economia nacional.
Brasil mira alto: ONU e liderança regional em pauta
Entre os principais focos de Lula durante o encontro está a proposta de lançar uma mulher latino-americana à disputa pela Secretaria-Geral da ONU em 2026. Desde a criação da entidade, em 1945, nenhuma mulher e nenhum latino ocuparam o cargo — o que reforça a ideia de que a região tem muito a contribuir no cenário internacional, e que já passou da hora de ocupar esse espaço.
O Brasil também pretende levantar a bandeira do combate à fome por meio do fortalecimento da Aliança Global contra a Fome, além de defender a criação de uma frente entre os países da Amazônia para aumentar o peso da América Latina na próxima COP30, que acontecerá no Pará.
Outro ponto de atenção está na tentativa de reequilibrar a balança ideológica na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, hoje pressionada pelo avanço de figuras conservadoras ligadas ao bolsonarismo.
Obstáculos no caminho: Milei, Maduro e divergências internas
Só que o cenário na Celac está longe de ser tranquilo. Lula vai encontrar um bloco dividido, com tensões abertas, especialmente com o presidente argentino Javier Milei. O argentino tem se alinhado de forma irrestrita aos Estados Unidos e, segundo diplomatas, tem agido como um verdadeiro freio às tentativas de consenso dentro da Celac.
Outro ponto sensível é a presença (ou ausência) do venezuelano Nicolás Maduro. Se comparecer, corre o risco de acirrar os ânimos entre países com governos mais à direita; se for deixado de fora, cria um desconforto entre aliados e limita a margem de articulação do Brasil.
Diante dessas peças no tabuleiro, o encontro em Honduras será um teste real da habilidade diplomática de Lula para mediar interesses divergentes e manter o sonho de integração regional vivo.
Tarifas americanas esquentam o clima
Para piorar o cenário, a reunião acontece em meio a uma crescente tensão comercial com os Estados Unidos. Na semana passada, o Congresso brasileiro aprovou a chamada “Lei da Reciprocidade”, que autoriza o país a responder com a mesma moeda a barreiras comerciais impostas por outras nações — uma resposta direta às novas tarifas sobre aço e alumínio anunciadas por Trump.
Apesar do tom mais firme de Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e membros do Itamaraty tentam esfriar os ânimos e apostam no diálogo como caminho preferencial. Uma reunião com autoridades americanas já está marcada para esta semana, numa tentativa de evitar uma escalada do conflito comercial.
Em resumo, Lula chega à cúpula da Celac em meio a ventos contrários, mas disposto a reatar laços, enfrentar desafios e recolocar o Brasil no centro das decisões que moldam o futuro do continente. Se vai conseguir costurar esse pano complicado? A resposta virá nos próximos dias.