
Mãe de sete é condenada a 14 anos de prisão pelo STF por atos do 8 de janeiro
Gisele Guedes, artista e ambulante, nunca havia sido presa e sofre de doença grave; defesa aponta falta de provas e pede prisão domiciliar
A cantora e jornalista Gisele Alves Guedes de Moraes, de 38 anos, foi sentenciada a 14 anos de prisão em regime fechado por participação nos atos de 8 de janeiro de 2023. A decisão foi tomada de forma virtual pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) neste sábado (14), marcando um episódio que chamou atenção pelo perfil da acusada: uma mãe solo de sete filhos, com histórico limpo e portadora de enfisema pulmonar.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, enquadrou Gisele entre os responsáveis diretos pelos atos classificados como golpistas. Ela foi condenada por tentativa de golpe de Estado, destruição de patrimônio público e associação criminosa armada, entre outros. O voto de Moraes foi seguido por Flávio Dino e Cármen Lúcia. Cristiano Zanin defendeu uma pena de 11 anos, enquanto Luiz Fux sugeriu apenas quatro.
A pena imposta é mais alta que muitas aplicadas a crimes como homicídio ou tráfico de drogas. Gisele, até então em liberdade, nunca havia sido presa nem monitorada por tornozeleira eletrônica. Segundo a defesa, ela sequer participou da invasão ou destruição de prédios públicos. Sua presença, dizem os advogados, era motivada por trabalho como ambulante, vendendo camisetas e água na frente do QG do Exército, ainda em dezembro de 2022.
No dia 8 de janeiro, de acordo com o depoimento de Gisele, ela foi até a Esplanada para se despedir de amigos. Fez algumas gravações e, ao perceber que a situação estava fugindo do controle, deixou o local. Mesmo sem provas de participação em atos violentos, foi considerada pelo STF como executora material dos crimes.
A situação de Gisele é agravada por seu estado de saúde. Com diagnóstico de enfisema pulmonar — doença crônica que compromete a respiração —, os advogados argumentam que ela não tem condições físicas de cumprir pena em regime fechado. Além disso, cinco dos seus sete filhos ainda são menores de idade, e ela estava amamentando um bebê de um ano quando foi intimada pela Polícia Federal, em março de 2024.
A defesa pede que, caso não haja reversão da pena, Gisele possa cumprir a sentença em prisão domiciliar, com base em artigos do Código de Processo Penal que consideram o cuidado com filhos pequenos e a gravidade de doenças.
Segundo o advogado Hélio Júnior, que atua no caso com outros três colegas, a condenação foi baseada em suposições e não individualizou a conduta de Gisele, utilizando a tese do “crime multitudinário”, em que todos os presentes são julgados como coautores. “Ela virou símbolo de um debate urgente: como equilibrar o combate aos ataques à democracia sem sacrificar garantias fundamentais de cidadãos comuns?”, questiona.
Se os recursos forem negados, Gisele poderá ser presa nas próximas semanas. Seus defensores pretendem entrar com habeas corpus para tentar evitar que isso ocorra.
A história de Gisele expõe um ponto de tensão: o limite entre justiça e excesso, entre responsabilização e desumanidade. E, sobretudo, entre a letra fria da lei e a complexidade da vida de quem está no banco dos réus.