
“Mães ausentes, filhos em dor”: O drama de mulheres presas pelo 8 de janeiro e os filhos que clamam por cuidado
Mesmo com filhos pequenos, ao menos seis mulheres seguem presas por envolvimento nos atos de 8/1. Enquanto o STF nega a prisão domiciliar, crianças enfrentam noites de choro, crises de saúde e o vazio da ausência materna.
“A Eva chora todas as noites abraçada a uma almofada com a foto da mãe”, conta Paulo Henrique Barros, barbeiro e pai de três crianças. Desde a prisão da esposa, Juliana Gonçalves Lopes Barros, ele assumiu sozinho a criação dos filhos em Valparaíso de Goiás, na periferia do Distrito Federal. A mais nova sente tanto a ausência que parece carregar nos braços não só uma almofada, mas um pedaço da própria infância despedaçada.
Juliana é uma entre as seis mães que continuam presas pelos atos de 8 de janeiro. Mesmo com filhos pequenos, o retorno para casa lhes foi negado. “Estamos destruídos como família”, desabafa Paulo, que tem enfrentado não apenas a dor emocional dos filhos, mas também o agravamento da asma do menino Davi e os dilemas da adolescência do mais velho, que começa a questionar o que vê como uma injustiça: a prisão da mãe. “Ela sempre viveu pelos filhos, tudo que fazia era por eles”, reforça.
A advogada Valquiria Sonelis da Silva relata que Juliana já havia cumprido três meses de prisão preventiva e passou mais um período em regime domiciliar, até ser reconduzida ao presídio feminino de Luziânia, em Goiás. A pena: 17 anos de reclusão, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A defesa tem feito inúmeros pedidos de prisão domiciliar com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas todos foram recusados por Alexandre de Moraes, sob a justificativa de que Juliana “não é indispensável ao cuidado dos filhos”.
Para o marido, essa conclusão está muito distante da realidade. “A ausência dela não é só um silêncio — é um corte profundo, uma ferida aberta que só vai sarar quando ela estiver de volta”, diz.
Segundo a professora Mariana Madera, especialista em Processo Penal da Universidade Católica de Brasília, a legislação já prevê a concessão de prisão domiciliar para mulheres com filhos menores de 12 anos — inclusive em casos de condenação definitiva. O próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que o benefício não depende da comprovação de que os cuidados maternos sejam “imprescindíveis”. O Habeas Corpus coletivo nº 143.641, concedido pelo STF em 2018, amparou mulheres nessas condições — desde que não tenham cometido crimes violentos.
Mas é justamente aí que mora a controvérsia. “O crime atribuído a essas mulheres é a abolição violenta do Estado Democrático de Direito, o que complica o enquadramento”, explica a jurista. Em outras palavras, mesmo que elas não tenham agido com violência direta, a acusação já as posiciona num terreno delicado.
No caso de Juliana, o voto do ministro Moraes cita transmissões ao vivo feitas por ela durante os atos, além de um vídeo em que supostamente admite ter quebrado vidros para entrar no prédio. A interpretação da Justiça: essas ações comprovam sua participação nos atos de invasão e depredação.
Mas para quem ficou do lado de fora, como Paulo e os filhos, tudo parece fora de medida. Uma pena longa demais, uma ausência que pesa nas mochilas escolares e nas noites de insônia. Como Débora Chaves, outra mãe presa há quase um ano, cujos registros em vídeo feitos com o celular foram usados como provas — mesmo com um filho pequeno, diagnosticado com TDAH, esperando por ela em casa.
Enquanto o debate jurídico se arrasta nos tribunais, a dor bate pontualmente no quarto das crianças, onde o tempo parece andar mais devagar. E onde o que está em jogo não é apenas justiça, mas também humanidade.
Fonte e Créditos: Gazeta do Povo