Marcha da Maconha toma a Paulista em defesa da legalização com justiça social

Marcha da Maconha toma a Paulista em defesa da legalização com justiça social

Ato reúne ativistas, profissionais da saúde e usuários que denunciam desigualdades no acesso à cannabis e defendem reparação histórica para vítimas da guerra às drogas

A Avenida Paulista foi palco, neste sábado (14), da 17ª edição da Marcha da Maconha em São Paulo. O protesto reuniu milhares de pessoas — entre usuários, ativistas, profissionais da saúde e representantes de movimentos sociais — para reivindicar a legalização da cannabis no Brasil de forma justa e inclusiva.

O evento, que já se tornou tradição em várias cidades brasileiras desde os anos 2000, é hoje um dos principais símbolos da luta contra a política de repressão às drogas na América Latina.

Entre as pautas centrais deste ano, os organizadores destacaram a importância de tratar a legalização não apenas como uma questão de saúde pública ou economia, mas como uma reparação histórica. Eles alertam que discutir o uso e a regulação da cannabis sem levar em conta o impacto da criminalização sobre populações negras e periféricas é perpetuar um sistema injusto.

Outra preocupação recorrente foi a maneira como o setor privado tem se aproximado do mercado da cannabis. Para os ativistas, há o risco de que a legalização acabe favorecendo apenas quem já tem dinheiro e acesso, enquanto justamente os mais afetados pela repressão policial — jovens negros, favelados, pequenos cultivadores — continuem marginalizados.

Justiça, clima e violência policial no centro do debate

Luiz Fernando Petty, um dos organizadores da marcha em São Paulo, destacou que o tema da manifestação neste ano também trouxe à tona a crise climática e o aumento da violência policial, especialmente em regiões como a Baixada Santista, Cracolândia e Favela do Moinho. Segundo ele, a pauta da reparação histórica e da anistia para pessoas presas com pequenas quantidades (até 40g) também se fortaleceu após a pandemia.

O debate sobre a descriminalização ganhou novo fôlego em junho de 2024, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que o porte de até 40 gramas de maconha para uso pessoal não configura crime, estabelecendo critérios mais claros para diferenciar usuários de traficantes.

Além disso, o acesso ao tratamento medicinal com canabidiol (CBD) também avançou: desde 2024, a prefeitura de São Paulo passou a distribuir medicamentos à base da substância gratuitamente pelo SUS.

Cannabis e saúde: histórias que mostram outra realidade

Durante a marcha, muitos relatos pessoais mostraram que a maconha vai muito além do uso recreativo. É uma questão de saúde, bem-estar e autonomia. Giuliana e Gisele, por exemplo, participam do ato há quatro anos. Ambas são biólogas e compartilham experiências com o uso medicinal do canabidiol.

Giuliana começou usando cannabis de forma recreativa, mas foi ao experimentar o óleo medicinal que percebeu uma melhora significativa em sua qualidade de vida — inclusive ajudando no tratamento do pai, que sofre com dores no joelho. “Minhas tias também usam para ansiedade. Aqui em casa, todo mundo já se trata com cannabis”, contou.

Gisele iniciou seu tratamento há poucos meses, após crises de ansiedade e efeitos colaterais provocados pela herpes-zóster. Antes, usava medicamentos como Dramin, que a deixavam grogue. Com o óleo, relata mais energia e disposição: “Tenho muito mais qualidade de vida”.

Mas o alto custo do tratamento — cerca de R$ 600 por mês — ainda é um obstáculo. Gisele defende que a oferta via SUS seja ampliada: “Seria a única forma de garantir acesso real para quem mais precisa”.

Agora, o casal planeja cultivar a planta em casa. “Temos um quarto vazio e queremos transformá-lo num espaço de cultivo. Vai ajudar a reduzir os custos e nos dar mais autonomia”, explicam.

Legalização sem justiça social é privilégio

Nikolas, de 28 anos, participa da Marcha desde 2017. Entregador e lutador de muay thai, ele diz que, mesmo sem redes sociais, sempre encontra uma forma de se informar sobre o evento. Para ele, a legalização é inevitável, mas teme que só aconteça de fato quando for lucrativa para quem já tem dinheiro.

“A repressão continua forte, principalmente nas quebradas. Se for pra legalizar só pra rico vender e pobre continuar preso, não resolve nada”, criticou.

A manifestação aconteceu de forma pacífica e contou com acompanhamento da Polícia Militar. Até a última atualização, não havia registro de incidentes.

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