
Milei quer tirar dólares do colchão e colocá-los para girar a economia
Presidente argentino tenta legalizar até US$ 270 bilhões guardados informalmente em casa por milhões de cidadãos — e chama esses poupadores de “heróis da resistência”.
Javier Milei, presidente da Argentina, está preparando uma nova reforma fiscal para tentar atrair de volta ao sistema financeiro um tesouro escondido: cerca de US$ 270 bilhões em dólares guardados fora dos bancos, longe do alcance do governo e das oscilações da economia local. A ideia, segundo o Financial Times, é transformar esses poupadores — que o próprio Milei chama de “heróis do colchão” — em agentes ativos do consumo e do crescimento.
“Quem guardou dinheiro em casa não é criminoso, é herói! Escapou dos políticos que queriam destruir tudo com a inflação”, disparou o presidente na última semana, durante um encontro com empresários. Ele também afirmou que vai afrouxar as regras para evitar que essas pessoas sejam punidas por regularizarem seus dólares guardados.
A proposta busca flexibilizar os controles históricos contra evasão fiscal e movimentação de capitais, que empurraram milhões de argentinos para a informalidade. Desde 2011, o país impõe restrições rígidas à compra de dólares, o que criou um mercado paralelo — o famoso dólar blue — usado por quem não confia no peso argentino. Com a inflação batendo 289% no último ano, guardar dólares em casa virou um instinto de sobrevivência.
Atualmente, cerca de metade da população economicamente ativa na Argentina vive da informalidade. Mesmo quem tem carteira assinada costuma receber parte do salário “por fora”. Compras de imóveis e veículos são frequentemente pagas em dinheiro vivo, com valores declarados bem menores que os reais.
Milei agora aposta na reabilitação desses recursos para dar um gás na economia — sem recorrer a aumento de gastos públicos. A regularização voluntária de parte desse dinheiro serviria para estimular o consumo e reaquecer setores estratégicos, sem comprometer o esforço de austeridade que seu governo prometeu ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
O momento político é favorável: no último domingo (18), o partido de Milei, La Libertad Avanza, saiu vitorioso nas eleições legislativas em Buenos Aires, derrotando a histórica hegemonia do PRO, partido de Mauricio Macri, na capital. Essa vitória fortalece o presidente e dá mais espaço para avançar com medidas impopulares — ou ousadas.
Se der certo, a estratégia pode marcar uma virada histórica: transformar o medo da economia argentina em combustível para seu renascimento — com dólares que estavam escondidos sob o colchão.