
Milhões para o palco, migalhas para o chão de fábrica: Correios bancam show de Gilberto Gil enquanto trabalhadores seguem sem salário
Com salários atrasados e condições precárias, funcionários entram em greve e denunciam a contradição de uma estatal que financia turnê milionária, mas vira as costas para quem carrega a empresa nas costas.
A última turnê de Gilberto Gil, intitulada Tempo Rei, tinha tudo para ser uma celebração de sua longa e respeitada carreira. Mas virou combustível para uma onda de indignação nas redes sociais. No mesmo momento em que trabalhadores dos Correios cruzam os braços por falta de pagamento e condições dignas, a estatal aparece como patrocinadora de luxo dos shows do cantor, com nada menos que R$ 4 milhões investidos.
Gil, que soma mais de 60 anos de estrada, tornou-se um dos assuntos mais comentados neste sábado (19) no X (antigo Twitter). Não por sua música, mas porque sua turnê escancarou o abismo entre a vitrine institucional e a realidade de quem está nos bastidores — literalmente, os trabalhadores dos Correios.
Segundo dados de 2024, a estatal gastou R$ 38,4 milhões em patrocínios, e uma fatia generosa foi destinada à turnê de despedida do cantor baiano. A justificativa oficial? “Agregação de valor à marca” e a previsão de alcançar 800 mil pessoas em apresentações no Brasil, Europa e EUA.
Só que, do outro lado da história, o cenário é de colapso. Funcionários de pelo menos 42 unidades de transporte dos Correios paralisaram as atividades por tempo indeterminado. Os motivos: salários atrasados, custo abusivo dos planos de saúde, falta de concursos públicos, sobrecarga e precarização generalizada do trabalho.
A revolta explodiu nas redes. Um dos usuários resumiu o sentimento com ironia:
“Três meses sem receber, greve ignorada, agora protestam. Parece que o único feliz com os Correios é o Gilberto Gil.”
Outro foi mais ácido:
“Correios sem dinheiro é balela. Só não tem pra quem trabalha. Pro camarim do Gil, tem de sobra.”
Não se trata de um ataque ao artista, mas à incoerência gritante de uma gestão que corta no osso dos funcionários enquanto desfila de gala nos eventos culturais. É o velho teatro brasileiro: aplausos no palco, abandono nos bastidores.
A Fenect (Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios) ainda não anunciou novas medidas, mas o sentimento de traição já circula como carta registrada entre os servidores.
No fim das contas, o que revolta não é o patrocínio à cultura — mas a escolha de onde cortar e onde gastar, enquanto os trabalhadores, que literalmente fazem a empresa girar, são deixados à própria sorte.