Moraes mantém mãe de duas crianças presa por 14 meses, sem denúncia

Moraes mantém mãe de duas crianças presa por 14 meses, sem denúncia

Presa sem denúncia por mais de um ano e dois meses, a cabeleireira Debora Rodrigues dos Santos segue longe dos filhos — de 6 e 9 anos — desde 17 de março de 2023. A ordem de prisão foi expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após a mulher ter participado das manifestações de 8 de janeiro.

“Ela não entrou em nenhum prédio público, mas foi fotografada escrevendo, com batom, a frase ‘Perdeu Mané’ na Estátua ‘A Justiça’, localizada em frente à sede do STF”, relata o advogado de defesa Ranieri Gonçalves Martini, que recebeu a denúncia do Ministério Público (MP) sobre o fato cerca de 420 dias após a prisão, apesar de o prazo máximo permitido ser de 35 dias.

“Nesse tempo, solicitamos oito vezes que a Debora fosse para prisão domiciliar porque ela tem o direito de esperar a sentença em casa com os filhos, mas todos os pedidos foram negados”, lamenta Martini, ressaltando que a saúde dos meninos foi afetada e que seus direitos fundamentais foram violados, já que não podem ser privados da convivência materna.

Um dos tratados a respeito do tema é a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia da ONU em 1990 e estabelecida no Brasil pelo Decreto 99.710. Segundo o documento, o Estado tem o dever de “zelar para que a criança não seja separada dos pais” e deve garantir que todas as ações de tribunais e autoridades considerem “o interesse maior da criança”.

À Gazeta do Povo, Rodrigo Chemim, doutor em Direito de Estado, afirma que o artigo 318 do Código de Processo Penal estabelece que o juiz pode substituir a prisão preventiva por domiciliar para mulheres com filho de até 12 anos de idade. “Inclusive, em 2018, o STF concedeu Habeas Corpus coletivo [143641/SP] para favorecer todas as mulheres presas que se encontravam nessa situação”, recorda o jurista.

O documento citado é de 20 de fevereiro de 2018, quando a Segunda Turma do STF, sob presidência do ministro Edson Fachin, aceitou por unanimidade prisão domiciliar para todas as presas grávidas, com bebês ou com filhos de até 12 anos “nos termos do Art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”.

Em seu voto, o ministro relator Ricardo Lewandowski argumentou que as crianças “sofrem injustamente as consequências da prisão, em flagrante contrariedade ao Art. 227 da Constituição”, e que os “cuidados com a mulher presa” deveriam ser direcionados “não só a ela, mas igualmente aos seus filhos”. A exceção seria para casos de “violência ou grave ameaça, contra seus descendentes” ou em situações “excepcionalíssimas devidamente fundamentadas pelos juízes”.

Mais de 420 dias sem denúncia

Outro ponto avaliado tecnicamente pelo doutor em Direito é o prazo excedido para apresentação da denúncia, já que “a Lei 5.010/66, artigo 66, prevê que a Polícia Federal (PF) tem 15 dias, prorrogáveis por mais 15 para encerrar o inquérito mantendo legalmente o indiciado preso, e o MP tem cinco dias para oferecer a denúncia”, aponta, informando que o caso de Débora “foge de qualquer mínima legalidade” por ter sido 12 vezes maior que o estipulado.

“Se um juiz de primeiro grau decidir manter alguém preso na investigação por tantos meses sem denúncia, talvez tenha que responder por essa decisão”, aponta, lembrando ainda que, “para se decretar prisão preventiva, a jurisprudência do Supremo diz que é preciso ter dados concretos que permitam dizer que o sujeito em liberdade repetirá seu comportamento delitivo”, menciona.

“Não pode ser um achismo, algo subjetivo e vazio de fundamentação”, pois “bastaria um Habeas Corpus (HC) de duas linhas no Tribunal de Justiça local para derrubar uma decisão assim de um juiz de primeiro grau”, continua o professor.

Entretanto, casos como o de Debora, relacionados ao 8 de janeiro, têm sido julgados diretamente pelo STF, que é a última instância do judiciário e não admite HC contra decisões monocráticas dos seus ministros, impossibilitando discutir a decisão. “E o Habeas Corpus é a principal ação garantidora de direitos”, afirma Chemim, pontuando que essa “conquista da civilização ocidental não deveria ser mitigada”.

Para a defesa, a situação é “absurda”, pois nega ao indivíduo a capacidade de se defender. “Advogados de todo o Brasil estão sendo obrigados a retirar cada mudança do processo fisicamente, o que encarece e dificulta a defesa”, lamenta Martini, citando ainda que, em muitos casos, o acesso é restrito a apenas “algumas “partes do processo”.

A Gazeta do Povo entrou em contato com a OAB-SP, com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH), com a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) e com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e aguarda retorno.

A reportagem também procurou a ONG Innocence Project Brasil, associação sem fins lucrativos que se intitula como “organização brasileira especificamente voltada a enfrentar a grave questão das condenações de inocentes no país”. A entidade não respondeu a equipe até a publicação dessa reportagem, mas o espaço segue aberto para manifestação.

Fonte: Gazeta do Povo

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