Morre Pepe Mujica, o presidente que trocou o palácio pelo Fusca

Morre Pepe Mujica, o presidente que trocou o palácio pelo Fusca

Aos 89 anos, o ex-guerrilheiro uruguaio e símbolo da esquerda latino-americana nos deixa após batalha contra o câncer. Sua morte encerra um capítulo de coerência, resistência e humildade que falta à política de hoje.

José “Pepe” Mujica, um dos últimos grandes nomes da esquerda que falava mais com o exemplo do que com o microfone, morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos. A notícia foi confirmada pelo presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, pupilo político e um dos que tentam manter viva a chama de um legado que não cabia em discursos de palanque, mas sim em ações concretas.

Pepe não era apenas mais um político — era a lembrança viva de que é possível governar sem luxo, acumular poder sem perder a humanidade, e fazer política com ética quando o mundo parece girar ao contrário. Lutou contra a ditadura, foi preso, torturado, jogado na solitária e sobreviveu 14 anos trancado, enquanto muitos dos que hoje falam em “democracia” nunca enfrentaram nada mais difícil que um debate televisionado.

Mesmo gravemente doente — com um câncer no esôfago em estágio avançado, agravado por uma doença autoimune que já lhe consumia os rins há duas décadas —, Mujica nunca se entregou ao papel de mártir. Até os últimos dias, recusou o estrelismo e escolheu viver como sempre viveu: com simplicidade, cuidando de sua horta, dividindo quase todo o salário com projetos sociais e dirigindo o mesmo Fusca azul até não poder mais.

Nos anos 60, pegou em armas como membro dos Tupamaros, não por vaidade revolucionária, mas por revolta contra uma sociedade desigual. Assaltava bancos, sim — mas para devolver o dinheiro aos pobres. Foi baleado, preso e ameaçado de execução sumária. E ainda assim, saiu da prisão para fundar um partido, virar deputado, senador, ministro e, depois, presidente.

Como presidente entre 2010 e 2015, elevou o salário mínimo, ampliou os gastos sociais e legalizou a maconha — não como pauta identitária, mas como política pública. Seu governo foi a antítese dos populismos e das farsas ideológicas: prático, progressista e profundamente humano.

Enquanto políticos hoje disputam manchetes e vivem blindados atrás de seguranças e privilégios, Mujica fazia o caminho inverso: saía de casa a pé, falava com o povo, vestia-se como qualquer outro trabalhador e vivia com o mínimo. Não era populismo — era convicção. Era sua forma de dizer que política não é um plano de carreira, mas um compromisso com os que mais sofrem.

A morte de Mujica é mais do que o fim de uma vida — é um lembrete incômodo. Um tapa na cara de uma geração de políticos que perderam o rumo e a vergonha. Um chamado àqueles que esqueceram que ser eleito não é um prêmio, mas uma responsabilidade.

Hoje, o Uruguai perde um ex-presidente. Mas a América Latina perde um exemplo raro de coerência. E nós, brasileiros, assistimos de longe, desejando que algo parecido floresça por aqui.

Descanse, Pepe. Que tua ausência sirva de espelho e vergonha para tantos que ainda confundem poder com glória.

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