
Nos bastidores do poder: Barroso participa de eventos financiados por empresas com causas no STF
Presidente do Supremo esteve em seis agendas em maio com empresários e instituições que têm processos na Corte, reacendendo debate sobre a fronteira entre diálogo institucional e conflitos de interesse.
Em maio, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, marcou presença em seis eventos organizados ou bancados por empresários e instituições que possuem processos em tramitação no próprio STF. Essa movimentação intensa fora dos autos acendeu um alerta: até que ponto é saudável a aproximação entre ministros da mais alta corte do país e agentes que têm interesses diretos em suas decisões?
A resposta oficial do STF é que o diálogo com a sociedade faz parte da função institucional de seus membros. Segundo a corte, Barroso conversa com representantes de diversas áreas — de advogados a indígenas, passando por empresários rurais, jornalistas e ativistas. Mas a escolha dos convites aceitos e a frequência dessas interações continuam levantando questionamentos.
Um dos episódios mais comentados foi um jantar beneficente em São Paulo, promovido pelo CEO do iFood, Diego Barreto. O encontro, recheado de autoridades e figuras públicas, teve até Barroso cantando ao microfone com o anfitrião. O evento tinha como objetivo arrecadar recursos para o programa de ação afirmativa do CNJ que oferece bolsas para negros e indígenas que desejam ingressar na magistratura.
Embora nobre na proposta, a ocasião chamou atenção porque o iFood é parte interessada em um processo no STF sobre o vínculo trabalhista de motoristas de aplicativo. Um tema delicado e que pode definir o futuro de milhares de processos na Justiça do Trabalho. O próprio iFood afirmou que o jantar foi uma iniciativa pessoal, em apoio ao programa idealizado pelo CNJ, FGV e Universidade Zumbi dos Palmares.
Barroso também esteve em Nova York na semana do dia 12 de maio, onde participou de três eventos — um deles com patrocínio master da JBS, gigante do setor de carnes e que responde a diversos processos no Supremo. Mesmo sem discursar, Wesley Batista, um dos controladores da empresa, estava presente.
A JBS tem histórico conhecido: está envolvida em ações decorrentes da Operação Lava Jato e, mais recentemente, teve uma multa bilionária suspensa por decisão do ministro Dias Toffoli. Também foi beneficiada por outro trancamento de inquérito envolvendo acusações de difamação.
Além disso, Barroso participou de encontros organizados pela Lide Brasil e pela revista Veja, também nos Estados Unidos, ambos com patrocinadores com ações em andamento no STF. No Brasil, ele palestrou sobre inteligência artificial em um evento na casa de Fernando Cavalcanti, então vice-presidente de um escritório de advocacia com causas no tribunal. O escritório afirma não ter sido responsável pela organização da cerimônia.
Para fechar o mês, Barroso esteve no evento do Dia da Indústria promovido pela CNI — entidade que figura em cerca de 30 processos na Corte. Lá, falou novamente sobre inteligência artificial.
Em tempos de desconfiança sobre as instituições e suas relações com o poder econômico, a presença constante de um ministro do Supremo em eventos com interesses cruzados não passa despercebida. A linha entre “manter o diálogo” e “abrir margem para suspeitas” nunca foi tão tênue — e, talvez, nunca tenha sido tão urgente redefini-la.