OAB nega omissão no caso Filipe Martins e defende que casos do 8/1 saiam do STF
O advogado Rafael Horn, presidente interino da OAB, concedeu entrevista à Gazeta do Povo no Conselho da entidade no Paraná
Depois que a Gazeta do Povo publicou reportagem sobre o aparente silêncio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) frente às denúncias de abusos nos casos de Filipe Martins e dos presos do 8 de janeiro, a entidade negou estar omissa e sugeriu mudanças na condução desses processos.
Segundo o presidente interino Rafael Horn, a principal mudança defendida pela OAB é que os casos de pessoas sem foro privilegiado sejam julgados por juízes de primeira instância, aliviando a carga do Supremo Tribunal Federal (STF) e permitindo a oportunidade de recurso aos réus.
“O STF não tem estrutura para lidar com demandas em massa como esta. Isso é tarefa para o primeiro grau, que tem maior capilaridade e pode fazer mutirões”, afirmou Horn, destacando que a medida traria mais rapidez ao sistema, evitando injustiças.
Horn também afirmou que todo advogado tem direito de acessar integralmente o conteúdo dos autos e que os processos do 8/1, atualmente retirados fisicamente, “deveriam estar digitalizados”.
Além disso, ele defendeu a necessidade de abertura para diálogo entre advogados, Ministério Público (MP), e juiz – nos casos específicos, o ministro Alexandre de Moraes – para assegurar a ampla defesa dos réus. “Se houver recusa de provas irrefutáveis, o advogado pode entrar em contato com a OAB, e iremos analisar”, disse Horn.
A entrevista foi concedida pessoalmente à reportagem da Gazeta do Povo no dia 12 de julho, na sede da OAB-PR, em Curitiba. O jornal havia solicitado posicionamento da entidade no dia 8 de julho, mas não recebeu resposta à época, publicando a matéria 48 horas depois. Após a publicação, a entidade procurou a Gazeta do Povo e Horn concedeu a entrevista.
Pergunta: A OAB sempre ressaltou seu trabalho na defesa das prerrogativas dos advogados, do devido processo penal e da ampla defesa. Mas, recentemente, muitos advogados têm apontado o que consideram omissões da entidade na defesa desses direitos, principalmente em relação a processos em tramitação no STF. Como a OAB vê esse cenário?
Resposta: Reconhecemos que há desafios, não só nos casos do 8 de janeiro. No entanto, é ofensivo para a OAB ser acusada de omissão. As prerrogativas dos advogados foram construídas pela Ordem e não dependem de corrente ideológica. Defendemos todos, independentemente de suas posições políticas. Exemplos disso são os casos dos advogados Cristiano Zanin e Frederick Wassef, cujas prerrogativas foram defendidas pela OAB.
Pergunta: Uma das denúncias dos advogados dos presos do 8/1 e do caso Filipe Martins é a dificuldade de acesso aos autos, que nem sempre são disponibilizados na íntegra e que precisam ser retirados pessoalmente em Brasília. Não é direito do advogado ter acesso integral aos autos?
Resposta: Sim, é direito do advogado ter acesso integral aos autos. No entanto, o Supremo tem permitido acesso apenas à parte do investigado que o advogado representa, o que gera conflitos. Esses processos deveriam estar digitalizados. A OAB já fez intervenções nesse sentido.
Pergunta: O desembargador aposentado Sebastião Coelho, que defende Martins, disse que o ministro Alexandre de Moraes tem negado audiência com os advogados, assim como a Procuradoria-Geral da República (PGR). Sobre isso, o Artigo 6º do Estatuto da OAB prevê disponibilização de condições adequadas e atenção para o desempenho da advocacia, e o Código de Ética da Magistratura estabelece esse contato entre advogado e juiz. Qual é a visão da Ordem?
Resposta: Se o advogado não está conseguindo esse contato, deve procurar a OAB. Verificaremos o motivo da dificuldade e defenderemos essa prerrogativa. Todo advogado tem direito de ter acesso aos autos e à autoridade com quem quer despachar o direito de seu constituinte.
Pergunta: Outra dificuldade relatada pelos advogados é a desconsideração de provas legítimas. Como explicar essa negação às provas da defesa?
Resposta: Se o relator não acolhe o pedido, deve-se recorrer ao plenário. Se houver recusa de provas irrefutáveis, o advogado pode entrar em contato com a OAB, e iremos analisar. É preciso esgotar os recursos disponíveis.
Pergunta: Como essas pessoas não têm foro privilegiado, qual é o posicionamento da OAB a respeito de os casos serem julgados pelo STF, sem possibilidade de recurso?
Resposta: A maior parte desses casos deveria começar no primeiro grau, permitindo a tramitação até o Supremo. Isso reduziria a chance de erros e proporcionaria oportunidades de correção ao longo do processo.
Pergunta: E a OAB poderia agir de ofício se percebesse alguma violação de prerrogativa nesses processos do STF?
Resposta: A OAB não age de ofício porque, muitas vezes, a violação de prerrogativa pode ser uma estratégia do advogado. Agimos apenas quando somos solicitados.
Pergunta: Então, processos com violações de prerrogativas podem ser completamente anulados?
Resposta: Sim, isso ocorre com frequência. Violar prerrogativas é violar direitos do acusado. A OAB age apenas quando instada, respeitando a estratégia processual do advogado.
Pergunta: E a OAB pode se posicionar a respeito de ilegalidades em geral, como no caso do Filipe Martins?
Resposta: Se for relacionado ao sistema de Justiça, sim. Nos posicionamos em casos de manifestações ofensivas, como a declaração misógina de um desembargador do Paraná. Se os advogados de Filipe Martins procurarem a OAB, serão atendidos.
Pergunta: Qual é o posicionamento da OAB sobre pessoas julgadas pelo STF que estão presas há meses sem denúncia, como Filipe Martins e outros presos do 8 de janeiro?
Resposta: Se isso está ocorrendo, há medidas como habeas corpus a serem impetradas. A falta de estrutura do Judiciário é um problema, reforçando a crítica de que esses processos não deveriam ser competência do STF.
Pergunta: Recentemente, duas crianças gravaram um vídeo pedindo ajuda para soltar a mãe, presa há 17 meses e denunciada apenas agora, no início de julho. A denúncia mostra que sua ação no 8 de Janeiro foi escrever “Perdeu Mané” na Estátua “A Justiça”. Qual é a sua opinião sobre isso?
Resposta: Não tenho acesso aos autos, mas me solidarizo pela falta de resposta ágil. Se a única ação foi uma pichação, ela deve ser julgada por isso. Caso haja outros elementos, deve existir denúncia e julgamento. A demora no Judiciário é um problema, especialmente quando há alguém preso.
Pergunta: E é possível enviar para a primeira instância os casos dessas pessoas sem foro privilegiado que estão sendo julgadas atualmente pelo Supremo Tribunal Federal?
Resposta: Isso cabe aos ministros do Supremo decidirem. Teríamos mais agilidade se não ficasse tudo concentrado em um gabinete.
Pergunta: A OAB pode incentivar o colegiado a tomar essa decisão?
Resposta: Se formos demandados, sim. A luta do advogado é lutar pelo Direito. Temos que utilizar todas as ferramentas disponíveis na defesa.
Pergunta: E acredita que as ilegalidades cometidas repetidamente pelo STF podem trazer precedentes perigosos à Justiça brasileira?
Resposta: Um órgão colegiado como o STF tem a responsabilidade de uniformizar o entendimento sobre uma matéria de direito. A Ordem busca coerência, independentemente da polarização política.
Pergunta: Qual é a sua visão a respeito do que ocorreu no dia 8 de janeiro? Houve tentativa de golpe de Estado?
Resposta: Não tenho acesso a todos os elementos dos autos. Há correntes que dizem que houve apenas vandalismo e outras que afirmam haver trocas de mensagens conectando os eventos. Precisamos de um Judiciário ágil para dar respostas à sociedade. A OAB garante que os advogados possam exercer a defesa plena dos acusados.
Pergunta: Tirar o sigilo desses processos que tramitam no Supremo poderia ser uma alternativa?
Resposta: É um ponto que merece reflexão. O presidente Beto Simonetti já considerou essa possibilidade. A transparência pode ser uma alternativa para trazer mais clareza ao que está ocorrendo.
FONTE E CRÉDITOS: Gazeta do Povo