
ONG que recebeu R$ 40 milhões com verba pública vira alvo da CGU por contratos suspeitos com jogos e dengue
Associação Moriá, de Brasília, é investigada por uso de emendas em projetos que vão de Free Fire a softwares contra a dengue; CGU aponta prejuízo de R$ 1,7 milhão em aluguel de equipamentos
Uma ONG situada em Brasília, a Associação Moriá, está no centro de uma polêmica envolvendo o uso de verbas públicas oriundas de emendas parlamentares. A entidade, que atua com projetos que vão desde oficinas com jogos eletrônicos como Free Fire e League of Legends até iniciativas de combate à dengue, tem contratos que somam mais de R$ 40 milhões — e pode chegar a R$ 74 milhões no total.
Os convênios, assinados no fim de 2024, envolvem ações em diversas áreas, como programas educacionais com jogos digitais para jovens em situação de vulnerabilidade e desenvolvimento de softwares voltados ao controle de arboviroses em regiões do Distrito Federal, como Ceilândia e Sol Nascente. Apesar dos valores vultosos, a Controladoria-Geral da União (CGU) identificou possíveis irregularidades e um prejuízo milionário em um dos contratos.
Contratos milionários com foco em e-sports
Grande parte dos recursos é destinada ao Programa de Jogos Educacionais Digitais (Projedis-DF), que recebeu R$ 37,9 milhões para promover inclusão social por meio de modalidades como Free Fire, Valorant, LoL e eFootball. A proposta é usar os e-sports como ferramenta educativa e de cidadania, em especial com adolescentes em situação de risco.
Em outro contrato, batizado de “Circuito de Jogos Digitais”, a ONG garantiu mais R$ 7,5 milhões, repassados por emenda do senador Izalci Lucas (PL-DF). Segundo a CGU, foi nesse projeto que se concentrou o maior prejuízo estimado: cerca de R$ 1,7 milhão, principalmente com o aluguel superfaturado de computadores e equipamentos.
Um exemplo citado é o aluguel de 31 mesas de computadores, totalizando 13.083 diárias, a um custo de R$ 23,50 por dia — resultando em mais de R$ 307 mil. Uma única TV de 43 polegadas teria sido alugada por R$ 49.980, enquanto joysticks simples custaram mais de R$ 130 mil em aluguéis, valores que superam amplamente o preço de compra desses itens no mercado.
Combate à dengue também está no pacote
Além dos jogos, a Associação Moriá firmou dois convênios com o Ministério da Saúde para combater o mosquito da dengue. Os projetos, orçados em quase R$ 7 milhões, preveem o desenvolvimento de softwares e tecnologias para mapear focos do Aedes aegypti e criar estratégias de prevenção. Em Ceilândia, por exemplo, o valor solicitado foi de R$ 2,3 milhões; no Sol Nascente, mais R$ 980 mil.
Apesar da proposta, o Ministério da Saúde afirma que nenhum valor foi ainda desembolsado, pois os projetos apresentam pendências.
STF chegou a suspender repasses
Diante das suspeitas e da falta de transparência nos repasses, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu em fevereiro suspender o envio de recursos a 13 entidades — incluindo a Moriá. A decisão foi tomada no âmbito da ADPF 854 e exigiu que as instituições regularizassem a prestação de contas.
Após ajustes, a ONG foi retirada do cadastro de entidades impedidas de receber recursos públicos, e a liberação dos contratos foi autorizada. Ainda assim, a CGU mantém a Associação Moriá sob auditoria, com novo relatório previsto para outubro de 2025.
Respostas oficiais
Procurado, o Ministério do Esporte afirmou que as emendas são de responsabilidade dos parlamentares e que os projetos seguem os critérios legais. Já a Associação Moriá defendeu a regularidade de suas ações e ressaltou que teve sua idoneidade reconhecida pelo STF, após apresentar os documentos solicitados.
Ainda assim, os números e os contratos seguem levantando dúvidas — tanto pelas cifras envolvidas quanto pela natureza dos serviços prestados.