PM de São Paulo entra no campo da Polícia Civil e acende disputa judicial por atribuições

PM de São Paulo entra no campo da Polícia Civil e acende disputa judicial por atribuições

Solicitação de mandado por coronel da PM levanta questionamentos sobre legalidade, provoca reação de delegados e acende alerta sobre possíveis anulações de provas

Um episódio recente reacendeu a velha disputa entre a Polícia Militar e a Polícia Civil em São Paulo. No fim de maio, um coronel da PM obteve junto à Justiça um mandado de busca e apreensão para apurar uma denúncia de tráfico de drogas na Zona Leste da capital. A iniciativa, porém, acendeu o sinal vermelho entre delegados civis, que acusam a corporação militar de extrapolar suas funções constitucionais e “usurpar” atribuições da Polícia Judiciária.

A Associação dos Delegados de Polícia de São Paulo, com apoio de outras entidades, apresentou queixa na Ouvidoria da Polícia e encaminhou um ofício à Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça, alegando que a PM não pode, por lei, solicitar mandados para obtenção de provas, tampouco conduzir investigações de crimes comuns.

Para a desembargadora Ivana David, do TJ-SP, a lógica é simples: se a Polícia Militar não pode investigar, também não tem legitimidade para pedir provas dentro de uma investigação. Segundo ela, há risco real de anulação de provas colhidas dessa forma, o que comprometeria processos inteiros.

O mandado foi solicitado pelo coronel Mário Kitsuwa, do CPAM-9, com base em denúncias anônimas e registros feitos pela própria PM após diligências na região de Cidade Tiradentes. O juiz responsável autorizou a busca e sustentou que a solicitação era válida, pois a preservação da ordem pública não é exclusividade da Polícia Civil. O Ministério Público também deu parecer favorável à medida.

Ainda assim, a operação gerou confusão. Segundo funcionárias de um Centro de Educação Infantil da região, o endereço constante no mandado seria o da escola, onde nada foi cumprido. Policiais militares teriam entrado em uma casa próxima, onde supostamente apreenderam drogas e prenderam um suspeito.

Segundo a Secretaria da Segurança Pública, a PM encontrou um ponto de venda de drogas em um corredor com imóveis irregulares e usou cães farejadores para localizar entorpecentes. Foram apreendidos 3,4 kg de maconha, mais de 500 g de crack e materiais para o tráfico.

Risco de nulidade das provas

Para o presidente da Associação dos Delegados, André Pereira, a medida é ilegal e fragiliza investigações. Ele alerta que provas obtidas por agentes sem autoridade legal para conduzir inquéritos podem ser invalidadas, o que comprometeria não apenas o caso em questão, mas todas as ações derivadas dele.

Pereira cita a nova Lei Orgânica das Polícias Civis (Lei nº 14.735/2023), cujo artigo 6º deixa claro que apenas a Polícia Civil pode investigar crimes comuns. Segundo ele, a lei é categórica: qualquer investigação fora da alçada civil, por mais bem-intencionada que seja, é inconstitucional.

Apesar da crítica, decisões recentes mostram que o entendimento jurídico ainda não é pacífico. Em 2024, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do STJ, validou uma investigação iniciada pela PM, por considerar que ela apenas reuniu elementos preliminares, sem avançar nas funções investigativas exclusivas da Polícia Civil. No STF, o ministro Luís Roberto Barroso também já afirmou que a competência investigativa da Polícia Civil não é absoluta, podendo ser compartilhada em situações específicas.

Projeto-piloto também preocupa delegados

Como se não bastasse a polêmica dos mandados, a PM iniciou, nesta semana, um projeto-piloto que prevê levar presos diretamente ao presídio, sem a tradicional passagem pela delegacia. Batizado de SPRecrim, o projeto está sendo testado no centro da capital e já gerou protestos.

Para André Pereira, a medida dribla o papel constitucional do delegado de polícia, figura central no respeito às garantias individuais e na verificação da legalidade da prisão. Ele acusa a PM de, na prática, “revogar a Constituição” por meio de um simples ato administrativo.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública defendeu o projeto, afirmando que a iniciativa busca reduzir a reincidência criminal e foi construída em conjunto com diversas forças policiais, incluindo a Civil, a Militar, a Técnico-Científica e a Penal.

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