
Preso no Brasil, mas com raízes firmes aqui: empresário turco-brasileiro é acusado de terrorismo por Erdogan
Naturalizado brasileiro e dono de restaurantes em SP, Mustafa Göktepe é alvo de extradição solicitada pela Turquia; defesa denuncia perseguição política e diz que prisão é ilegal
O empresário Mustafa Göktepe, de 47 anos, foi preso pela Polícia Federal em São Paulo na última quarta-feira (30), por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a um pedido de extradição feito pelo governo turco. A detenção causou espanto entre amigos e conhecidos, já que Mustafa é uma figura ativa na vida cultural e econômica da capital paulista: naturalizado brasileiro desde 2012, ele é dono de cinco restaurantes da rede Lahmajun Delícias Turcas, casado com uma brasileira e pai de duas meninas nascidas no Brasil.
Além de empresário, Mustafa também atuou como professor visitante na USP, ensinando a língua turca, e é reconhecido por seu trabalho à frente do Instituto Pelo Diálogo, dedicado à promoção de encontros interculturais e à convivência entre diferentes religiões.
A prisão foi autorizada pelo ministro Flávio Dino, do STF, com base em acusações do governo Erdogan, que o aponta como membro de uma organização terrorista vinculada ao clérigo Fethullah Gülen — ex-aliado de Erdogan e responsabilizado pela tentativa de golpe de 2016 na Turquia. A defesa, no entanto, nega veementemente qualquer ligação criminosa, classificando o pedido de extradição como uma tentativa de perseguição política.
Para o advogado de Mustafa, Beto Vasconcelos (ex-secretário Nacional de Justiça), o processo é ilegal e não há justificativa para a prisão: “Ele é brasileiro naturalizado, mora no país há mais de duas décadas, tem família e uma vida profissional sólida. Não há qualquer risco de fuga”.
Mustafa chegou ao Brasil em 2004, depois de enfrentar perseguições por sua ligação com o movimento Hizmet, liderado por Gülen — que faleceu recentemente nos EUA, onde vivia em exílio. Em uma homenagem nas redes sociais, Mustafa declarou: “Milhões, como eu, foram inspirados pelos ideais de Fethullah Gülen. Que eu seja seu vizinho no além”.
A ordem de prisão partiu da Justiça turca em abril deste ano, acusando o empresário de um crime cometido em 2017, com validade legal até 2029. O STF entendeu que há “dupla tipicidade”, ou seja, os atos atribuídos a ele também são enquadráveis como crime no Brasil, segundo a Lei de Organizações Criminosas.
A defesa, porém, argumenta que o governo turco tenta usar mecanismos legais internacionais para fins políticos e ideológicos. “Essa é mais uma tentativa de Erdogan exportar sua repressão”, afirma Vasconcelos, que pretende entrar com pedido para revogar a prisão e impedir a extradição.
A decisão de Dino ocorre em meio a crescentes críticas sobre o papel do Brasil na cooperação com regimes autoritários em casos que envolvem exilados políticos e dissidentes.