“Quando a toga desdiz o livro: Moraes já foi contra o que hoje defende”

“Quando a toga desdiz o livro: Moraes já foi contra o que hoje defende”

Ministro do STF, que autorizou prisão da deputada Carla Zambelli, já escreveu que parlamentares não devem ser presos sem aval do Congresso — nem mesmo após condenação definitiva.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem sido uma das figuras centrais nas decisões envolvendo parlamentares. Mas o que poucos lembram — ou preferem esquecer — é que ele mesmo já defendeu, por escrito, uma tese bem diferente da que sustenta hoje.

Em sua obra “Direito Constitucional”, publicada originalmente em 1996 e atualizada pela última vez em 2003, Moraes foi categórico: deputados e senadores só poderiam ser presos em flagrante por crime inafiançável, e mesmo assim a prisão deveria ser confirmada pela respectiva Casa Legislativa. Segundo ele, isso evitaria perseguições políticas e garantiria o funcionamento do Parlamento.

“O congressista não poderá sofrer qualquer tipo de prisão penal ou processual, exceto em flagrante por crime inafiançável, e ainda assim com aval do Legislativo”, escreveu o ministro.

A posição contrasta com sua atuação atual. No dia 4 de junho, Moraes determinou a prisão preventiva da deputada Carla Zambelli (PL-SP), acolhendo um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). A justificativa foi o “risco de fuga”, já que Zambelli apareceu em vídeo fora do Brasil menos de um mês após ser condenada, por unanimidade, a 10 anos de prisão por envolvimento com o hacker Walter Delgatti em ataque ao sistema do CNJ.

A prisão também veio acompanhada de medidas duras: bloqueio de bens, pedido de inclusão da deputada na lista da Interpol e argumentos de que ela estaria tentando “driblar a aplicação da lei penal”.

Mudança de tom

O contraste entre o Moraes autor e o Moraes ministro é evidente. Em seu livro, ele chegou a criticar a jurisprudência do próprio STF que admitia a prisão de parlamentares após o fim do processo judicial. Na época, discordava até da execução de pena após o trânsito em julgado sem o aval do Congresso:

“A Constituição não limita a imunidade apenas às prisões processuais. Mesmo após condenação definitiva, a prisão só seria legal em caso de flagrante por crime inafiançável e com aprovação do Legislativo.”

No entanto, nesta sexta-feira (7), Moraes votou para rejeitar os embargos de declaração de Zambelli, abrindo caminho para que sua prisão se torne definitiva — o que outrora ele classificava como violação à Constituição.

PGR sustenta tese da “excepcionalidade”

A Procuradoria argumenta que o STF já admite medidas cautelares contra parlamentares mesmo fora dos casos de flagrante, desde que se trate de situação grave. Para a PGR, a conduta de Zambelli coloca em risco a aplicação da lei e torna inviáveis outras medidas que não a prisão.

Moraes acolheu essa visão e afirmou que garantias individuais não podem ser usadas como “escudo para impedir a responsabilização por crimes”.

“Essas circunstâncias autorizam o afastamento excepcional de garantias individuais, sob pena de desrespeito ao Estado de Direito”, escreveu.

Contradição ou evolução?

A mudança de posição de Alexandre de Moraes levanta uma pergunta inevitável: o ministro evoluiu juridicamente ou abandonou princípios em nome do pragmatismo político? O fato é que, entre o jurista que temia perseguições e o magistrado que prende por “excepcionalidade”, existe uma distância que nem mesmo a toga consegue encobrir.

Compartilhe nas suas redes sociais
Categorias
Tags