
Quem está na mira do ICE? O perfil de quem tem sido preso nos EUA sob o governo Trump
De criminosos a turistas, passando por estudantes e trabalhadores, a política de imigração endurecida de Trump amplia o cerco e gera críticas por prisões sem histórico criminal
Durante sua campanha, Donald Trump prometeu implantar o maior programa de deportação de criminosos já visto nos Estados Unidos. A promessa teve apoio de grande parte da população — até mesmo entre imigrantes legais, que viam com desconfiança quem entrava no país “pela porta dos fundos”.
Mas, desde que voltou ao poder, Trump ampliou significativamente os alvos de sua política de deportações. O foco deixou de ser apenas pessoas com antecedentes criminais. Hoje, estudantes, trabalhadores, turistas e até moradores com vistos válidos estão sendo detidos por violações migratórias consideradas leves.
O ponto de virada veio após cinco meses de relativa tranquilidade: batidas do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA) em locais de trabalho na cidade de Los Angeles resultaram em protestos, depois que 118 pessoas foram presas. Entre elas, apenas cinco eram identificadas como membros de gangues.
O governo justifica que, ao encontrar imigrantes sem documentação durante operações, os agentes têm a obrigação legal de detê-los. Tom Homan, uma das figuras centrais na política migratória de Trump, chamou essas prisões de “colaterais”, mas reforçou que a lei não permite ignorar a presença de imigrantes irregulares.
Nem todos são criminosos
Apesar do discurso oficial de combate ao crime, os números revelam outra realidade. Segundo dados da Universidade de Syracuse, em junho mais de 51 mil imigrantes estavam sob custódia do ICE — o maior número desde 2019. E 44% dessas pessoas não tinham qualquer passagem pela polícia, além da entrada irregular no país.
A retórica do governo, de que só os “piores dos piores” seriam deportados, não condiz com a prática. Um jovem zapoteca de 23 anos, por exemplo, foi detido em frente a uma loja — seus pais afirmam que ele nunca teve problemas com a Justiça. Casos como esse são cada vez mais frequentes.
De influenciadores a atrizes: turistas também são alvo
Até turistas com documentação válida estão sendo detidos. A britânica Bethany, de 28 anos, passou 19 dias em um centro de detenção por problemas com seu visto. A atriz canadense Jasmine Mooney ficou presa por duas semanas após tentar renovar sua entrada nos EUA. Ela relatou condições precárias, sem cobertores ou acesso regular a banheiros.
Outro caso que chamou atenção foi o do influenciador italiano Khaby Lame, o tiktoker mais seguido do mundo. Ele foi detido por exceder o tempo de permanência de seu visto, apesar de sua visita ser amplamente pública.
Deportações e leis do século XVIII
O governo Trump tem recorrido até a leis antigas, como a de 1798, que permite a deportação de cidadãos de “nações inimigas”. Foi com base nela que mais de 250 pessoas foram enviadas ao El Salvador, algumas para a temida megaprisão Cecot, acusadas de ligação com o grupo criminoso Trem de Aragua. Famílias negam qualquer vínculo e dizem que a detenção foi motivada por algo tão simples quanto tatuagens.
Estudantes e ativistas também na mira
O endurecimento também atingiu estudantes estrangeiros e ativistas políticos. Desde o início do mandato, mais de 1,6 mil vistos de estudantes internacionais foram revogados. O estudante palestino Mahmoud Khalil foi preso por participar de protestos em favor da Palestina. Até mesmo pessoas com residência permanente relataram detenções arbitrárias.
Anthony Enriquez, da ONG Robert F. Kennedy Human Rights, afirma que muitos agentes migratórios agem como se estivessem acima da lei, prendendo imigrantes que têm direito legal de permanecer no país.
O cenário sob Trump é claro: a política de imigração deixou de mirar apenas “criminosos perigosos” e passou a atingir qualquer um que esteja vulnerável, mesmo que legalmente. Essa ampliação do escopo, considerada por muitos como desumana e arbitrária, reforça a imagem de um governo que, em nome da segurança, tem ignorado direitos fundamentais e alimentado o medo — não só entre os indocumentados, mas entre cidadãos, turistas e estudantes que antes se sentiam protegidos pela lei.