Sem passaporte, sem CNH: STF autoriza “aperto” contra devedores espertos

Sem passaporte, sem CNH: STF autoriza “aperto” contra devedores espertos

Decisão permite apreensão de documentos de quem tenta driblar a Justiça para não pagar o que deve. Mas medida gera debate: até onde vai o direito de cobrar e onde começa o risco de injustiça?

O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou, desde 2023, uma nova forma de pressionar quem insiste em não pagar suas dívidas: apreender documentos como a carteira de motorista (CNH) e o passaporte. A ideia é simples, mas polêmica — se a pessoa pode pagar e mesmo assim tenta escapar, a Justiça pode agir de forma mais incisiva.

Mas essa decisão, embora vista como um reforço no combate aos devedores que agem de má-fé, também acende um alerta sobre os limites da atuação do Estado sobre a vida das pessoas.

Quando o problema não é só dever, é esconder que pode pagar

A medida não vale para qualquer tipo de inadimplente. Não é porque você está devendo o cartão ou o aluguel que vai acordar sem documento. A apreensão só pode ser autorizada se houver indícios de que a pessoa está tentando enganar o sistema — como quem declara não ter dinheiro, mas continua viajando, ostentando ou escondendo bens da Justiça.

É o que o STF chama de inadimplência estratégica: gente que até pode pagar, mas prefere enrolar ou se esconder atrás de brechas legais.

Não é castigo, é pressão

Importante dizer: ninguém vai ser punido só por estar devendo. A medida não tem caráter de punição, e sim de coerção — ou seja, serve para forçar o cumprimento de uma ordem judicial já existente. A apreensão não acontece de forma automática. O credor precisa pedir, e o juiz analisa se a situação realmente justifica uma medida tão drástica.

E aí entra o cuidado: o juiz deve considerar se tirar o documento da pessoa não vai, por exemplo, impedir que ela trabalhe ou se locomova. Afinal, se o objetivo é garantir que a dívida seja paga, não faz sentido cortar o meio de sustento do devedor — o tiro pode sair pela culatra.

Quem pode ser afetado?

A medida mira principalmente quem:

  • Tem bens e os esconde para evitar penhora;
  • Finge pobreza enquanto vive com alto padrão;
  • Viaja ao exterior, mas diz que está quebrado;
  • Não colabora com o processo, omite informações ou mente para a Justiça.

Em situações assim, tirar o passaporte ou a CNH pode ser uma forma de “chamar o devedor para conversa” — na marra.

O risco do remédio virar veneno

Apesar da boa intenção — que é evitar injustiças com os credores —, há preocupação de que a decisão abra brechas para abusos. Organizações da sociedade civil e especialistas em direito temem que a Justiça acabe usando essa ferramenta de forma indiscriminada, afetando inclusive pessoas que estão em situação de vulnerabilidade e realmente não têm como pagar.

O desafio agora é construir um uso criterioso dessa medida: ela pode sim ajudar a combater a malandragem de quem deve e finge que não, mas exige cuidado para não cair na velha história do “pau que bate em Chico…”.

No papel é uma coisa. Na prática, é o juiz quem decide

No fim das contas, a medida dá mais poder aos juízes — e com isso, mais responsabilidade. Vai caber ao Judiciário a tarefa de equilibrar dois pratos delicados: garantir o direito de quem quer receber, sem atropelar os direitos fundamentais de quem deve.

Se usada com bom senso, a nova regra pode, sim, ser um avanço no combate aos devedores contumazes. Mas se virar regra sem critério, pode transformar a cobrança judicial num campo de arbitrariedades.

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