
STF Retoma Julgamento que Pode Mudar as Regras para Redes Sociais no Brasil
Ministros debatem se plataformas devem agir contra conteúdos ilegais sem esperar ordem da Justiça. Expectativa agora é o voto de André Mendonça, que pode mudar o rumo da decisão.
O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a analisar, nesta quarta-feira, um julgamento que promete impactar diretamente o funcionamento das redes sociais no país. A discussão gira em torno de como as plataformas digitais devem ser responsabilizadas pelos conteúdos publicados por seus usuários, colocando em xeque o atual modelo previsto no Marco Civil da Internet.
Até agora, três ministros — Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso — já deixaram claro que defendem a responsabilização das plataformas, embora com alguns pontos de divergência entre eles.
Logo na abertura da sessão, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, fez questão de reforçar que essa análise não tem nada a ver com censura, muito menos com invasão dos poderes do Congresso.
— Cabe a nós definir as regras que vão orientar o Judiciário nesses casos. Isso não invade competência de ninguém e tampouco significa censura — destacou Barroso.
O que está em jogo?
O centro da discussão é simples, mas de enormes proporções: as redes podem ser responsabilizadas pelos posts dos usuários? E se sim, em quais situações? Atualmente, a regra é que só existe punição se a plataforma desobedecer uma ordem judicial para remover um conteúdo.
Mas isso pode mudar. A expectativa do momento é o voto do ministro André Mendonça, que em dezembro de 2024 pediu mais tempo para analisar o caso. Nos bastidores, acredita-se que ele defenda manter a necessidade de ordem judicial antes que uma publicação seja retirada — uma visão diferente da maioria dos colegas até aqui.
Pressão internacional no pano de fundo
Esse julgamento acontece em meio a uma crise diplomática. O governo dos Estados Unidos, sob comando de Donald Trump, ameaça aplicar sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, em razão de suas decisões envolvendo grandes empresas de tecnologia. Na semana passada, o tema foi parar no Congresso norte-americano, citado por Marco Rubio, chefe do Departamento de Estado, durante uma audiência.
Nos corredores do STF, ministros dizem que retomar esse julgamento agora é uma forma de mostrar que o tribunal não vai se intimidar com pressões externas — e que vai enfrentar o debate, doa a quem doer. Há, inclusive, quem veja a mão de Elon Musk nos bastidores dessas pressões, alinhado ao governo americano na ofensiva contra Moraes.
Por dentro do julgamento
O Supremo está decidindo se o artigo 19 do Marco Civil da Internet é ou não constitucional. Esse artigo diz que as redes só podem ser responsabilizadas por conteúdo de terceiros se descumprirem uma ordem judicial. Na prática, impede que plataformas sejam obrigadas a retirar publicações sem uma decisão da Justiça, sob o argumento de proteger a liberdade de expressão.
Só que os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux discordam dessa regra. Eles afirmaram, em seus votos, que o artigo é inconstitucional e defendem que, diante de conteúdos ilícitos — como discurso de ódio, racismo ou ameaças —, as redes sejam obrigadas a agir assim que forem notificadas, mesmo sem decisão judicial.
Toffoli foi direto:
— Está claro para mim que o regime atual falha em proteger direitos fundamentais. Desde que foi criado, ele se mostra incapaz de enfrentar os riscos que surgiram com os novos modelos de negócios na internet — apontou.
Na mesma linha, Fux foi ainda mais incisivo. Ele criticou o fato de as redes só agirem quando obrigadas pela Justiça e disse que isso criou uma espécie de “terra sem lei” no ambiente digital.
— As plataformas se escondem atrás do discurso da liberdade dos negócios. Na prática, deixam que conteúdos criminosos permaneçam no ar, ferindo a liberdade e a dignidade das pessoas — disparou.
A posição de Barroso
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, adotou uma posição de meio-termo. Defende que as plataformas sejam responsabilizadas, sim, quando se omitirem diante de conteúdos criminosos. Mas também fez um apelo ao Congresso: que elabore uma legislação específica para regular o tema, crie mecanismos claros de punição e até um órgão regulador para fiscalizar as redes.
Barroso também lembrou que o STF esperou que o Congresso resolvesse o problema, mas o projeto de lei das redes sociais acabou travado, graças à resistência da bancada bolsonarista e à falta de ação do então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O que vem pela frente?
Além de André Mendonça, que apresenta seu voto hoje, outros sete ministros ainda precisam se posicionar. Existe, inclusive, a possibilidade de o julgamento ser novamente interrompido, caso algum deles peça vista.
O que está claro é que, qualquer que seja o resultado, esse julgamento vai deixar marcas profundas nas regras que definem o que pode ou não circular nas redes sociais brasileiras daqui pra frente.