
Testemunhas ignoradas: decisão de Moraes levanta dúvidas sobre equilíbrio em julgamentos do 8 de janeiro
Ministro do STF exige que defesas levem testemunhas por conta própria, enquanto intima apenas as de acusação. Advogados alertam para risco de prejuízo aos réus e possível desequilíbrio no processo.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, tem seguido uma linha rígida nos processos ligados aos atos golpistas de 8 de janeiro. Diferente do que se vê em julgamentos convencionais, Moraes tem determinado que apenas as testemunhas de acusação sejam intimadas oficialmente. Já os advogados de defesa precisam correr atrás das próprias testemunhas e levá-las no dia da audiência — na marra, literalmente.
Essa conduta tem gerado desconforto entre os defensores dos réus, que veem na prática uma desvantagem gritante. Cinco advogados ouvidos pela reportagem disseram que essa decisão pode inviabilizar depoimentos considerados fundamentais para garantir o direito de defesa.
Em paralelo, a Defensoria Pública da União também questionou essa postura. Em um dos processos, o defensor Gustavo Zortéa da Silva ressaltou que há um tratamento desigual entre acusação e defesa, especialmente quando testemunhas públicas são envolvidas. Mesmo assim, Moraes foi categórico: a responsabilidade de levar os depoentes segue com os advogados.
No documento oficial, ele afirmou que testemunhas com finalidade apenas abonatória — aquelas que atestam boa conduta — nem precisam aparecer. Basta uma declaração escrita entregue até a data da audiência.
Alguns ministros do STF, embora reconheçam que o método não seja o mais comum, consideram que ele serve como “antídoto” contra manobras que visam arrastar o processo ou transformá-lo em palco político. No entanto, o assunto ainda causa polêmica dentro e fora da Corte.
O próprio Supremo já decidiu que essa forma de conduzir os processos é válida, citando o artigo 455 do Código de Processo Civil, que permite à parte intimar testemunhas por conta própria — norma que foi estendida ao processo penal.
Curiosamente, o mesmo Moraes já autorizou intimações formais em outros processos criminais, como no caso do deputado João Carlos Bacelar, acusado de peculato. A diferença? O caso não tem ligação com o 8 de janeiro.
O clima de desconfiança aumenta quando se olha para a lista de testemunhas apresentadas por algumas defesas. Tem de tudo: de Alexandre de Moraes e seu ex-assessor, passando por Flávio Dino, Lula e até delegados da Polícia Federal. Para a PGR, por outro lado, bastam seis nomes de ex-militares, governadores e ex-integrantes do Ministério da Justiça e da PRF.
No fim das contas, o que se desenha é uma disputa silenciosa sobre o controle do processo e o ritmo do julgamento — com uma pitada de insegurança sobre até onde vai o direito à ampla defesa.