Trump ignora governador e envia tropas à Califórnia para conter protestos

Trump ignora governador e envia tropas à Califórnia para conter protestos

Presidente usa prerrogativa federal rara para mobilizar dois mil soldados da Guarda Nacional, reacendendo o debate sobre uso político das Forças Armadas dentro dos EUA

O ex-presidente Donald Trump tomou uma decisão incomum e polêmica no último sábado (7), ao ordenar o envio de dois mil soldados da Guarda Nacional para Los Angeles, numa tentativa de conter protestos contra sua política de imigração. O gesto contornou completamente a autoridade do governador da Califórnia, Gavin Newsom, que não havia solicitado apoio federal — como é o procedimento padrão nesses casos.

Essa é a primeira vez em seis décadas que um presidente dos EUA aciona a Guarda Nacional de um estado sem a anuência do governo local. A última vez ocorreu em 1965, quando Lyndon B. Johnson mandou tropas ao Alabama para proteger manifestantes do movimento pelos direitos civis.

Newsom, que é do Partido Democrata, classificou a ação como “provocativa” e “equivocada”, dizendo que a medida só serviria para aumentar ainda mais a tensão nas ruas. “Isso mina a confiança pública”, afirmou o governador.

O argumento usado por Trump para justificar a convocação dos soldados se baseia em um trecho específico do Código das Forças Armadas dos EUA — o 10 U.S.C. 12406 — que permite o uso da Guarda Nacional em caso de “rebelião ou ameaça contra a autoridade federal”. Em sua ordem, Trump alegou que os protestos estariam impedindo a aplicação da lei, o que caracterizaria uma forma de rebelião.

Karoline Leavitt, secretária de imprensa da Casa Branca, afirmou que o envio das tropas é uma resposta direta a “multidões violentas” que estariam atacando agentes federais e de imigração. Ela disse que os soldados foram convocados para “restaurar a ordem”.

No entanto, autoridades locais em Los Angeles não haviam sinalizado necessidade de ajuda federal até o momento da decisão. Mesmo assim, o secretário de Defesa, Pete Hegseth, anunciou nas redes sociais que o Pentágono estava mobilizando “imediatamente” os militares, embora não tenha detalhado o local exato nem o prazo para o início da operação.

Além disso, a diretriz presidencial autorizou o uso de outras tropas regulares das Forças Armadas para proteger prédios e instalações federais, a critério do próprio secretário de Defesa. Fuzileiros navais baseados em Camp Pendleton, a cerca de 160 quilômetros de Los Angeles, estariam em estado de alerta.

Os protestos que motivaram a ação de Trump ocorreram na sexta-feira e no sábado em várias partes da Califórnia, como resposta a operações do ICE (agência federal de imigração) em locais de trabalho. Um dos atos mais recentes aconteceu em uma loja da rede Home Depot, na cidade de Paramount.

Democratas californianos já previam que Trump poderia recorrer ao envio de tropas federais, especialmente em áreas governadas por opositores políticos. Para eles, esse tipo de intervenção tem implicações perigosas — inclusive pelo precedente que abre para o uso político das forças militares no território nacional.

Durante seu primeiro mandato, Trump já havia ameaçado empregar as Forças Armadas contra manifestantes, como nos protestos contra o assassinato de George Floyd, em 2020. Naquela ocasião, chegou a usar helicópteros militares para intimidar manifestantes pacíficos perto da Casa Branca, mas não chegou a acionar tropas como agora.

Para especialistas em direito, como Erwin Chemerinsky, reitor da faculdade de Direito da Universidade da Califórnia em Berkeley, a manobra de Trump é “assustadora”. Segundo ele, trata-se de um uso deliberado do poder militar para reprimir protestos e silenciar a dissidência política no país.

A última vez que a Guarda Nacional foi federalizada em Los Angeles foi em 1992, durante os protestos que se seguiram à absolvição dos policiais envolvidos na brutal agressão a Rodney King. Naquele caso, a intervenção foi pedida pelo então governador Pete Wilson.

Trump, no entanto, já deixou claro que, se voltar à Casa Branca, não esperará convites de governadores ou prefeitos. “Na próxima vez, não vou esperar”, disse ele num comício em 2023, deixando evidente sua disposição de usar o poder federal para intervir em estados controlados por democratas.

Compartilhe nas suas redes sociais
Categorias
Tags