
Audiência de custódia completa 10 anos entre elogios e críticas
Instrumento judicial busca garantir direitos dos presos, mas enfrenta resistência no Congresso
A audiência de custódia, procedimento que avalia a legalidade de prisões em flagrante e determina se o detido deve permanecer preso ou ser liberado, completa uma década nesta segunda-feira (24). A medida é celebrada por defensores dos direitos humanos, mas enfrenta críticas e pressões no Congresso para ser modificada, sob a justificativa de que estaria facilitando solturas excessivas.
Especialistas destacam que as audiências são fundamentais para proteger a integridade dos detidos e evitar a prisão de inocentes. Por outro lado, parlamentares e forças de segurança alegam que, ao invés de garantir justiça, o mecanismo estaria permitindo a soltura precoce de suspeitos.
Desde sua implementação, o Brasil realizou aproximadamente 1,7 milhão de audiências de custódia, das quais 60% resultaram na conversão do flagrante em prisão preventiva, enquanto 39,4% concederam liberdade. Além disso, cerca de 7,6% das audiências registraram denúncias de maus-tratos ou tortura por parte das autoridades.
Como funciona a audiência de custódia?
Criada em 2015 por meio de um acordo entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a audiência de custódia determina que toda pessoa presa seja apresentada a um juiz em até 24 horas. Durante a audiência, o magistrado avalia a legalidade da prisão, a necessidade de mantê-la e possíveis casos de abusos cometidos pelos agentes responsáveis pela detenção.
Antes da adoção desse procedimento, o primeiro contato de um preso com a autoridade judicial poderia levar até 120 dias. Para o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a audiência de custódia é um avanço na proteção de direitos fundamentais e um instrumento essencial para evitar prisões injustas e o encarceramento em massa.
Entretanto, críticos argumentam que o sistema prisional brasileiro, já dominado por facções criminosas, pode ser fortalecido pela entrada de indivíduos sem histórico criminal, que acabam sendo cooptados dentro das cadeias. Segundo um levantamento do governo federal, há pelo menos 88 facções criminosas espalhadas pelo sistema prisional do país.
Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo
Com mais de 880 mil detentos, o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de população carcerária, atrás apenas de Estados Unidos e China. Desse total, cerca de 27,7% (183,8 mil) são presos provisórios, ou seja, pessoas que ainda aguardam julgamento.
Para especialistas, a prisão preventiva deve ser aplicada apenas em casos extremos. “Se houver outras medidas cautelares, como retenção de passaporte ou prisão domiciliar, essas alternativas devem ser priorizadas”, afirma Helena Lobo da Costa, professora de Direito Penal da USP.
Debate sobre mudanças no Congresso
Nos últimos anos, o crescimento da criminalidade e o fortalecimento de facções reacenderam o debate sobre o impacto das audiências de custódia. Críticos apontam que, em alguns casos, indivíduos são presos várias vezes e rapidamente liberados, o que alimentaria a sensação de impunidade.
Parlamentares e integrantes das forças de segurança têm defendido mudanças no sistema. O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, já se manifestou a favor do fim das audiências de custódia. O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, também defende a revisão da legislação para evitar o chamado “prende e solta”.
Atualmente, três projetos de lei tramitam no Congresso propondo alterações:
- PL 714/23: Propõe prisão preventiva obrigatória para crimes graves e ampliação do prazo da audiência de custódia para 72 horas.
- PL 226/24: Prevê a manutenção da prisão em casos de reincidência criminal.
- PL 321/23: Permite a realização da audiência de custódia por videoconferência.
Enquanto defensores dessas mudanças acreditam que elas podem endurecer o combate à criminalidade, opositores argumentam que as propostas ferem a presunção de inocência e podem contribuir para a superlotação das cadeias.
O debate segue intenso, e o futuro das audiências de custódia dependerá do equilíbrio entre garantir direitos fundamentais e aprimorar a segurança pública.