
Negócio de Família: Câmara de Vereadores Fecha Contrato Sem Licitação com Escritório de Filha de Desembargador Afastado
Contrato milionário levanta suspeitas sobre favorecimento e falta de transparência
Mesmo contando com uma procuradoria jurídica própria, a Câmara de Vereadores de Campo Grande decidiu desembolsar R$ 300 mil para contratar, sem licitação, os serviços do escritório Bastos, Claro & Duailibi Advogados Associados. O contrato foi publicado no Diário Oficial do município nesta segunda-feira (24) e justificado pela suposta complexidade dos serviços jurídicos, que envolveriam assessoria em licitações, contratos e relações com o Tribunal de Contas do Estado.
A questão, porém, vai além da contratação direta: o escritório escolhido tem entre suas sócias Camila Cavalcante Bastos, filha do desembargador afastado Alexandre Aguiar Bastos, envolvido em um escândalo sobre a venda de sentenças judiciais. Além disso, a outra sócia é Katia Regina Bernardo Claro, esposa do presidente da Assembleia Legislativa, Gerson Claro (PP).
A contratação chama atenção não apenas pelos laços familiares com figuras do Judiciário e Legislativo, mas também pelo fato de o escritório estar na mira da Polícia Federal. Na operação Última Ratio, deflagrada em outubro do ano passado, investigações apontaram que boa parte dos valores recebidos pelo escritório acabavam em contas ligadas ao próprio desembargador afastado, sugerindo que ele continuava a atuar como sócio oculto.
Conflito de interesses e suspeitas de favorecimento
Camila Bastos já havia renunciado ao cargo de vice-presidente da OAB-MS após seu nome aparecer no escândalo da venda de sentenças. Além disso, seu escritório prestava serviços a diversas prefeituras, muitas das quais tinham causas julgadas pelo próprio pai no Tribunal de Justiça. De acordo com o STJ, Alexandre Bastos analisou pelo menos três processos envolvendo prefeituras clientes da filha, sem se declarar impedido.
As suspeitas de irregularidades se ampliam quando se observa a movimentação financeira do escritório. Relatórios do COAF indicaram que a banca jurídica recebia valores incompatíveis com sua capacidade financeira aparente, sendo abastecida por diversas prefeituras de Mato Grosso do Sul.
O caso mais emblemático envolve a Prefeitura de Costa Rica, com a qual o escritório de Camila Bastos tinha contrato sem licitação. O desembargador Alexandre Bastos foi relator de dois processos ligados ao município enquanto os repasses para o escritório aconteciam, criando um claro conflito de interesses.
Para onde vai o dinheiro?
Se não bastasse a relação questionável entre o escritório e a Câmara Municipal, parte dos recursos pagos por prefeituras para a banca de advocacia teria ido parar em uma empresa chamada Consalegis Ltda, que já teve Alexandre Bastos como sócio e na qual ele ainda constava como procurador bancário em 2024. O cruzamento de dados levantado pelo STJ indica que o magistrado julgava processos de prefeituras que, ao mesmo tempo, contratavam sua filha e possuíam vínculos financeiros com ele.
Camila Bastos nega irregularidades e afirma que não atuou pessoalmente em processos que envolviam seu escritório e a Prefeitura de Costa Rica. Ainda assim, as conexões entre os envolvidos e o fato de o dinheiro percorrer caminhos que terminavam em contas ligadas ao desembargador afastado colocam o contrato da Câmara de Campo Grande sob um forte holofote de suspeita.
Com um histórico repleto de indícios de favorecimento e envolvimento em investigações federais, a contratação milionária sem licitação se soma a uma série de episódios que levantam questionamentos sobre a transparência na administração pública e o uso de recursos para beneficiar círculos familiares e políticos.
Fonte e Créditos: Correio do Estado